Podemos estar a sair do “pico” da segunda vaga, mas “não é altura para descansar”

Taxa de incidência a 14 dias atingiu o valor máximo a 20 de Novembro e desde então estabilizou um pouco abaixo dos 800 novos casos por cem mil habitantes. País tem a sétima maior incidência da Europa e é dos mais atrasados no “achatar da curva”. Infecciologista avisa que é preciso baixar os números para poupar o SNS.

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Rui gaudêncio

A 9 de Novembro, Portugal entrou num novo estado de emergência de combate à segunda vaga de infecções pelo SARS-CoV-2. Aplicaram-se medidas mais severas para limitar a mobilidade dos portugueses e, dessa forma, reduzir os níveis de contágio. Ainda é cedo para avaliar com certeza se a aplicação das restrições permitiu recuperar o controlo da situação epidemiológica, mas os dados de incidência mostram uma desaceleração ténue dos contágios: a curva de contágio parece estar a atingir um planalto, ainda que em níveis de contágio demasiado elevados para a sustentabilidade dos serviços de saúde.

Com os 5444 novos casos reportados nesta sexta-feira (e que dizem respeito à situação do país na quinta), Portugal passou a registar uma taxa de incidência a 14 dias de 789,9 novos casos por cem mil habitantes, o sétimo valor mais elevado da Europa – atrás de Luxemburgo (1237,2), Croácia (974,0), Eslovénia (970,9), Áustria (932,7), Liechtenstein (862,5) e Lituânia (857,0), de acordo com os números mais recentes do Centro Europeu de Controlo de Doenças (ECDC, sigla inglesa).

A incidência a 14 dias estabilizou em Portugal na última semana, com o valor mais alto a ser registado a 20 de Novembro (803,7), mantendo-se sempre acima dos 790 desde então. A aparente estagnação também é acompanhada por uma diminuição do número de casos identificada desde a última sexta-feira: foram detectadas no país 36.340 novas infecções, uma diminuição de 10% face aos 40.549 identificados na semana anterior.

O infecciologista António Silva Graça reconhece que existe uma redução da incidência a 14 dias, mas considera que isso é resultado não do estado de emergência, que “não tem ainda três semanas”, mas sim as medidas aplicadas no fim-de-semana do Dia dos Finados. O especialista avança que a semana que decorre está a caminho de uma “redução significativa” do número médio diário de casos em comparação com a última semana, mas avisa que é preciso uma amostra mais alargada para atestar a descida.

“Podemos já dizer que estamos a sair do pico da onda? É possível, mas precisamos de ter a evolução de duas, três semanas no plano descendente para poder concluir isso”, explica ao PÚBLICO.

António Silva Graça lembra que “ainda não é altura de descansar”, uma vez que a resposta do Serviço Nacional de Saúde (SNS) está dependente da evolução que se verificar agora.

“Pode haver um pico claro e um ramo descendente evidente na curva, e isto significaria que o SNS foi testado de uma forma súbita, sendo-lhe exigido muito, mas de forma pontual. Mas também pode acontecer que não haja uma descida significativa: pode não crescer mais, mas manter-se com uma pequena variação durante duas, três semanas, sendo ainda mais exigente para o SNS”, avisa.

A estratégia para conseguir que a estabilização seja seguida de uma diminuição da incidência e, consequentemente, do número de infectados hospitalizados passa por manter as medidas de restrição nos concelhos durante “um período mais alargado” que permita ver resultados. No entender do infecciologista, as medidas ajustadas a cada concelho acabam por ser demasiado “cirúrgicas”.

“Existe alguma instabilidade nas medidas e não me parece que isso ajude muito na sua implementação. (...) Quando se faz uma reavaliação ao fim de duas semanas, não temos dados suficientes, acabamos por fazer ajustamentos um bocadinho cegos. As medidas não deveriam ser tão localizadas. Era preferível fazer isto de uma forma generalizada com reavaliação três semanas depois”, argumenta António Silva Graça.

Portugal de novo desfasado da Europa, mas por razões diferentes

De acordo com o relatório semanal do Centro Europeu de Controlo de Doenças, publicado na quinta-feira com dados que vão até 22 de Novembro, Portugal era um de apenas cinco países que registavam um crescimento constante das notificações de novos casos durante mais de sete dias, a par da Estónia, Letónia, Lituânia e Suécia. Em sentido contrário, o ECDC identifica 24 países, entre os quais todos os que ainda estão à frente de Portugal na lista de maiores taxas de incidência e outros como Espanha, França e Alemanha, em que já são sentidos os resultados das medidas aplicadas três semanas antes.

Estes países começaram a observar uma diminuição dos contágios na sequência dos confinamentos parciais aplicados no arranque do Novembro, cerca de uma semana e meia antes de o Presidente da República ter decretado o estado de emergência em Portugal. O desfasamento temporal das curvas epidemiológicas volta a ser semelhante ao que se verificou entre esses países europeus na primeira vaga da pandemia, ainda que as duas ondas de infecção tenham “muitas diferenças entre si”, em particular quanto às faixas etárias mais atingidas.

Para António Silva Graça, se o descompasso que se verificou na Primavera podia ser justificado pela “situação periférica do país” em relação aos países europeus – algo “benéfico para a nossa preparação” –, o actual surge numa realidade epidemiológica muito diferente, fazendo do desfasamento entre Portugal e países como Espanha ou França é “uma coincidência”.

“Há outros factores, estes já internos, que são responsáveis pelo crescimento. É um pouco aleatório ter acontecido um pouco mais tarde do que nos outros países, as condicionantes agora são muito locais, não tão periféricas”, observa.

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