Taxas de juro a dez anos tocam terreno negativo pela primeira vez

Enquanto no Parlamento se discutia a transferência de capital do Fundo de Resolução para o Novo Banco, as taxas de juro da dívida portuguesa registavam pela primeira vez um valor abaixo de zero.

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Nuno Ferreira Santos

As taxas de juro da dívida pública a dez anos prolongaram esta quinta-feira, ao mesmo tempo que o Orçamento do Estado era discutido e votado na Assembleia da República, a tendência de descida das últimas semanas, chegando a registar pela primeira vez na história um valor negativo a 10 anos, o prazo de referência nos mercados financeiros internacionais.

A taxa de juro da dívida pública portuguesa a 10 anos já tinha, durante esta quarta-feira, feito uma séria aproximação a zero. E, nos mercados, a convicção era já que seria apenas uma questão de tempo até que Portugal se juntasse ao grupo de países, onde se inclui a Alemanha, a França ou os Países Baixos, que beneficiam de taxas de juro negativas nos seus títulos de dívida, o que na prática significa que conseguem pedir dinheiro emprestado recebendo uma remuneração por isso.

Essa descida inédita abaixo de zero dos juros da dívida portuguesa a 10 anos aconteceu já esta quinta-feira. De acordo com os dados disponibilizados pela empresa de serviços financeiros Tradeweb, citados pelo Financial Times, este indicador caiu, por volta das 13h e durante um breve período de tempo, para valores negativos. Depois voltou a subir ligeiramente, continuando contudo a ameaçar um regresso a valores mais baixos que zero.

Nos títulos de dívida com prazos inferiores, Portugal já regista taxas de juro negativas há algum tempo.

De acordo com os analistas do mercado de obrigações soberanas, aquilo que, nos últimos dias, deu o empurrão definitivo aos juros nacionais, foi a cada vez maior expectativa dos investidores relativamente à possibilidade de o Banco Central Europeu (BCE) vir a anunciar no próximo dia 10 de Dezembro um reforço e prolongamento do seu programa de compras de dívida pública.

Isto tem levado a uma descida generalizada das taxas de juro da dívida dos países da zona euro, beneficiando especialmente aqueles que, mesmo assim, oferecem rendibilidades um pouco mais atractivas, como é o caso de Portugal (perto de zero), Espanha (cerca de 0,05%) e Itália (ainda perto de 0,5%). Já a Alemanha tem a taxa de juro a 10 anos já em valores muito negativos, próximos de -0,5%.

Com o BCE activo do lado da procura e a perspectiva de uma redução do volume de emissões de dívida a realizar no próximo ano, a pressão para a descida de taxas de juro, que já se vinha sentindo há algum tempo, acentuou-se.

Por outro lado, os mercados parecem continuar a revelar indiferença relativamente aos resultados da discussão e votação do Orçamento do Estado para o próximo ano, que se concluiu esta quinta-feira na Assembleia da República.

O OE 2021 foi aprovado, mas passou a incluir novas medidas com potencial impacto orçamental negativo, ao mesmo tempo que introduziu um obstáculo à transferência de capital do Fundo de Resolução para o Novo Banco, uma medida a que o Governo se opôs, argumentando que constitui um risco para a credibilidade de Portugal nos mercados e uma ameaça à continuação do cenário de taxas de juro reduzidas que se tem vindo a viver.

Curiosamente, foi precisamente no momento em que essa proposta parlamentar estava a ser discutida que as taxas de juro da dívida portuguesa baixaram pela primeira vez a barreira do zero.

De igual modo, os mercados parecem pouco preocupados com a incerteza que actualmente se vive em torno da passagem à prática do fundo de recuperação europeu, um instrumento considerado essencial para apoiar os países com uma situação financeira mais frágil.

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