Taxas de juro da dívida portuguesa a dez anos aproximam-se de zero

Ajudadas pela perspectiva de contínua intervenção do BCE e aparentemente indiferentes à discussão da proposta de OE para o próximo ano, as taxas de juro da dívida pública portuguesa estão a bater novos mínimos históricos.

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LUSA/TIAGO PETINGA

Nem a incerteza em relação à passagem à prática do fundo de recuperação europeu nem a discussão de medidas adicionais de despesa na discussão do Orçamento do Estado parecem retirar o entusiasmo dos mercados internacionais de dívida pública com a dívida pública portuguesa.

No mesmo dia em que se votam no Parlamento propostas de alteração ao OE2021, algumas com potenciais impactos negativos para o saldo orçamental, as taxas de juro da dívida pública portuguesa continuaram a atingir novos mínimos históricos, com os títulos a dez anos a aproximarem-se rapidamente de valores negativos.

De acordo com os dados publicados pela agência Reuters, a taxa de juro da dívida portuguesa a dez anos caiu, no decorrer desta manhã, de valores próximos de 0,05% para 0,025%. Às 11h, chegou a ser atingida a marca de 0,016%, a mais baixa alguma vez registada para este indicador.

A tendência de descida, que se regista de forma muito persistente há já várias semanas, e que se acentuou esta quarta-feira, aponta para a possibilidade de Portugal poder brevemente beneficiar de taxas de juro negativas nas emissões de dívida a dez anos, à semelhança do que vem já acontecendo nos prazos mais curtos. A taxa de juro de 0,022% agora registada é referente a transacções feitas entre investidores, mas quando o Tesouro voltar a realizar uma emissão de dívida nova pode beneficiar de taxas de juro idênticas.

Uma taxa de juro negativa, como a que se tem verificado, por exemplo, nas emissões de dívida a um ano realizadas ao longo dos últimos meses, significa, na prática, que os investidores pagam ao Estado português para lhe emprestar dinheiro.

A fugir de Espanha

Se em países como a Alemanha e a França, as taxas de juro da dívida pública a dez anos já estão há muito em terreno negativo e a níveis significativamente mais baixos (no caso da Alemanha, encontram-se actualmente em -0,57%), a verdade é que Portugal está a conseguir destacar-se pela positiva de outros países do Sul da Europa.

Cada vez mais distantes das italianas, que se encontram ainda próximas de 0,55%, as taxas de juro portuguesas fugiram durante o último mês das espanholas, que estavam ao mesmo nível no final de Outubro, mas que agora estão em 0,06%, em comparação com os 0,025% de Portugal.

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Esta descida das taxas de juro, que também se está a sentir em Espanha, Itália e Grécia, acontece numa altura em que se espera que o Banco Central Europeu, na próxima reunião do conselho de governadores, agendada para meados de Dezembro, venha a anunciar o prolongamento das suas medidas de estímulo monetários, nomeadamente o programa extraordinário de compra de dívida pública de resposta à pandemia. Estas aquisições de dívida do BCE têm vindo a contribuir para manter as taxas de juro da dívida, em especial a dos países periféricos, a níveis baixos, mesmo numa altura em que a dívida pública dispara.

Cristina Casalinho, presidente da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública - IGCP, a entidade sob a tutela das Finanças que realiza as emissões de dívida nacionais, reconhece, em declarações ao PÚBLICO, que, neste cenário generalizado de descida de taxas, “Portugal não é um caso específico ou particular”. E assinala o papel que têm as expectativas dos mercados em relação ao BCE. “A segunda vaga de infecções devido à covid-19 e as consequências para a actividade económica reforçam as expectativas de persistência de uma política monetária acomodatícia, sobretudo por via da extensão do programa de compras determinado pela pandemia”, diz, lembrando também que, nas últimas semanas, o BCE continuou a comprar dívida, mesmo numa altura em que se assistiu a uma redução das emissões por parte dos soberanos europeus, provocada pelo facto de as receitas fiscais em vários países terem surpreendido pela positiva.  

Deste modo, o efeito BCE parece capaz de superar, para já, outros riscos, como o de os países da União Europeia não conseguirem chegar a um entendimento definitivo sobre o lançamento do fundo de recuperação e resiliência, outro instrumento de apoio importante para a sustentabilidade das finanças públicas dos países com um volume de dívida pública mais elevado.

A ajuda do banco central, contudo, não apaga o desempenho mais positivo de Portugal relativamente à Espanha e à Itália, dois países que também beneficiam das compras do BCE. E uma coisa parece certa: a incerteza na discussão da proposta de Orçamento do Estado para 2021, com a possibilidade de introdução de alterações no decorrer das votações na especialidade que conduzam a mexidas nos valores do défice e dívida registados durante o próximo ano, continua a ser indiferente para a evolução das taxas de juro portuguesas nos mercados de dívida internacionais.

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