Décadas de trabalho e alguma sorte: como a vacina de Oxford conseguiu uma eficácia de 90%

A vacina desenvolvida pela Oxford e pela AstraZeneca conseguiu atingir uma eficácia de até 90%, tendo uma média de cerca de 70% de eficácia em todos os ensaios realizados. A vacina está em desenvolvimento desde Janeiro e os resultados da última fase de testes foram publicados esta segunda-feira.

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JOHN CAIRNS/Universidade de Oxford/LUSA

As mentes mais brilhantes da Universidade de Oxford precisaram de décadas de trabalho para obter a experiência necessária para desenvolver uma vacina para o novo coronavírus. Foi um erro momentâneo (e alguma sorte) que acabou os levar a completar o seu trabalho.

Os especialistas de Oxford ficaram animados quando a empresa farmacêutica AstraZeneca, com quem colaboram para desenvolver a vacina, anunciou na segunda-feira que podia chegar a uma eficácia de cerca de 90%, de acordo testes da fase final dos ensaios clínicos.

“Este desenvolvimento só pode acontecer se for providenciado apoio extraordinário”, disse à agência Reuters Adrian Hill, director do Instituto Jenner da Universidade de Oxford, que desenvolveu a vacina. “Tivemos praticamente o instituto todo a trabalhar na vacina.”

Embora tenha sido a habilidade e o trabalho árduo dos investigadores que possibilitou o desenvolvimento, a AstraZeneca disse que foi um pequeno erro que fez a equipa perceber como conseguir aumentar a taxa de sucesso da vacina de 60% para perto de 90%: começando por administrar meia dose e, um mês depois, uma dose inteira.

“Administrámos primeiro a meia dose por acaso”, disse Mene Pangalos, chefe do departamento de investigação e desenvolvimento não oncológico da AstraZeneca.

O planeado era que os participantes dos ensaios clínicos em Inglaterra recebessem duas doses inteiras, mas os investigadores ficaram perplexos quando descobriram que os efeitos secundários como fadiga, dores de cabeça ou dores de braços foram mais suaves do que se esperava, explicou ainda Pangalos. “Fomos verificar... e descobrimos que tínhamos dado a dose da vacina em menos meia dose.”

Pangalos disse ainda que a equipa decidiu prosseguir com o grupo de pessoas a quem tinha sido dada a meia dose e administrar a segunda dose completa dentro das datas previstas.

Os resultados mostraram que a vacina foi 90% eficaz dentro deste grupo, enquanto um grupo maior, que tinha recebido duas doses inteiras, produziu indicadores de eficácia de 62%, levando assim a uma média de eficácia de 70% entre os dois métodos de vacinação.

“Foi assim que encontrámos por acaso o método de meia dose/dose inteira,” disse à Reuters. “Sim, foi um acidente.”

Pangalos referiu ainda que serão necessárias mais análises para explicar o porquê de uma dose inicial mais baixa aumentar a protecção. Uma explicação possível é a de que níveis mais baixos de antigénio desencadeiam uma maior protecção no sistema imunitário, concluiu. A vacina da Universidade de Oxford é feita com um vector viral: servem-se de um vírus modificado inofensivo (um adenovírus de chimpanzés que não se replica) que entrega nas células humanas um fragmento do material genético do novo coronavírus, levando-as a produzir uma proteína que imita a do SARS-CoV-2.

De 1991 até hoje

Embora a sorte tenha sido um factor importante, o desenvolvimento daquilo a que os cientistas de Oxford chamaram “uma vacina para o mundo” foi feito com base em 30 anos de testes e aperfeiçoamento de métodos.

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A plataforma do vector viral com o adenovírus que a nova vacina usa já existe desde 1991, segundo Adrian Hill.

Hill trabalhou com Sarah Gilbert, outra especialista, para aperfeiçoar a tecnologia, o que envolveu usar o vírus da constipação de chimpanzés como o vector através do qual se entregam as instruções de produção da proteína do vírus que se procura imitar, em testes com doenças como a gripe, a síndrome respiratória do Médio Oriente (MERS) e o Ébola durante a última década. A esperança era que isto se provasse útil um dia contra uma ou mais doenças mortíferas.

Viraram o seu foco para o novo coronavírus, o SARS-CoV-2, em Janeiro. A vice-reitora da Universidade de Oxford, Louise Richardson, disse que foi informada sobre o trabalho de Gilbert e que este parecia promissor para combater o novo coronavírus, mas que a investigação estava a ser levada a cabo sem fundos.

A universidade ofereceu um milhão de libras (cerca de 1,12 milhões de euros) para financiar a investigação até que obtivessem mais financiamento, contou Louise Richardson, o que aconteceu quando o Governo britânico e a AstraZeneca se entenderam em Maio.

A urgência sem precedentes e os recursos oferecidos à Universidade de Oxford para provar a eficiência da plataforma da vacina contra a covid-19 significaram também um salto na luta contra outros agentes patogénicos, cujos testes estão em fase inicial.

Gilbert disse que a experiência com a MERS, que é causada por um tipo diferente de coronavírus, foi especialmente útil. “Mostrou-nos que podíamos fazer uma vacina com esta tecnologia que induziria boas respostas imunitárias contra a proteína do coronavírus”, explicou Gilbert aos repórteres. “Também tínhamos pensado sobre como actuar rapidamente se um novo agente patogénico se espalhar e precisarmos de fazer uma nova vacina. Tínhamos feito algum trabalho a prepararmo-nos para isso.”

2020: “Um ano muito longo”

Andrew Pollard, chefe do Grupo da Vacina de Oxford e professor que passou duas décadas a fazer ensaios clínicos, disse que a sua experiência lhe deu confiança no desenvolvimento da nova vacina de Oxford, conhecida inicialmente como ChAdOx1 nCoV-19. “Acho que soubemos logo desde o início do ano que, se conseguíssemos concluir este desenvolvimento, teríamos feito algo que possa fazer a diferença”, disse à Reuters.

Mas houve um problema: o interesse limitado pela vacina de Oxford para outros agentes patogénicos antes da pandemia limitou o financiamento para provar a eficácia da plataforma. Até agora.

“É preciso uma quantidade enorme de dinheiro ou uma pandemia para possibilitar esse financiamento e é incrível que tenhamos tido a oportunidade de validar a tecnologia do adenovírus de chimpanzé para este coronavírus”, disse Adrian Hill. “Se me tivessem dito há um ano que em 2020 conseguiriam fazer uma vacina para uma pandemia mundial – em meses – eu teria pensado que era bastante difícil.”

Pollard acrescentou ainda que, embora a velocidade do desenvolvimento da vacina para o coronavírus fosse extraordinária, 2020 foi “um ano muito longo”, visto que a equipa começou a trabalhar na vacina em Janeiro.

Isso culminou na semana passada, segundo Pollard, numa “enorme montanha para escalar de forma a reunir toda a informação”, para publicar na segunda-feira os dados que mostram a eficácia de até 90%.

As últimas semanas foram bastante cansativas. O sentimento é de extrema fadiga e cansaço neste momento”, disse Andrew Pollard antes de se reunir com o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, para expor os resultados. “Se os resultados não tivessem ido ao encontro dos requisitos de regulação, ter-nos-iam dito para continuar com os testes. Portanto, foi um grande alívio.”

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