Apenas um quarto dos argelinos votou no referendo constitucional

O “sim” venceu, mas os apoiantes do movimento de protesto que explodiu no ano passado consideram que nova Constituição não muda a natureza do sistema político e recusaram votar.

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Maioria dos argelinos absteve-se de votar no referendo constitucional deste domingo Reuters/RAMZI BOUDINA

Os argelinos ignoraram maciçamente os apelos à participação no referendo de domingo para aprovar uma nova Constituição, rejeitada pela maioria dos elementos do movimento de contestação que no ano passado conseguiu afastar o ex-Presidente Abdelaziz Bouteflika.

Apenas 23,7% dos eleitores votaram no referendo de domingo, de acordo com os dados oficiais, confirmando os receios de que o descontentamento em relação às reformas propostas fosse canalizado através da abstenção. Os resultados finais mostram uma vitória do “sim”, embora a baixa participação seja um forte golpe contra a sua legitimidade.

Para além da descrença face à nova Constituição, a progressão da pandemia da covid-19 na Argélia também terá tido um efeito sobre a participação eleitoral. O próprio Presidente, Abdelmadjid Tebboune, de 74 anos, foi hospitalizado na Alemanha, depois de terem sido detectados casos de infecção entre membros do seu gabinete.

A marcação do referendo para o dia 1 de Novembro – quando, em 1954, começou a guerra que terminaria com a libertação da Argélia do domínio francês – foi uma tentativa para apelar ao sentimento patriótico dos argelinos para que participassem na votação.

Ao longo do dia, acumulavam-se os sinais de que a abstenção seria a grande vencedora da jornada eleitoral. O jornal argelino Liberté dava conta que entre os 2660 eleitores registados numa mesa de voto, apenas 191 o tinham feito durante a manhã.

O referendo constitucional foi convocado para tentar apaziguar o movimento de contestação, conhecido como Hirak, que promoveu grandes manifestações no ano passado contra a elite política que governou a Argélia desde a independência. Depois de meses de protestos, Bouteflika, que estava no poder há 20 anos, abdicou do cargo.

No entanto, a saída de cena do Presidente não foi suficiente para satisfazer o Hirak, um movimento sobretudo composto por jovens, cansados e frustrados por verem poucos sinais de renovação política. Apesar da demissão de Bouteflika, o Exército continuou a manter-se no centro do sistema e foi crucial para a escolha de Tebboune e para a elaboração da nova Constituição.

“A redacção e o processo de consulta [da nova Constituição] foram altamente controlados pelo Estado”, diz à Al-Jazeera o especialista do think-tank International Idea, Zaid Al-Ali.

O Presidente passa a estar limitado a dois mandatos de cinco anos e fica obrigado a escolher o primeiro-ministro entre o bloco partidário mais votado. Porém, o chefe de Estado tem o poder de nomear o governador do banco central, e o presidente e quatro juízes do Tribunal Constitucional.

Sem poder fazer campanha contra a nova Constituição, o movimento Hirak apelou à abstenção como forma de mostrar aos dirigentes políticos o seu descontentamento perante uma proposta que pouco muda a natureza do regime político. “Não vale a pena votar, a Constituição não vai mudar nada”, dizia no domingo à Reuters Hassan Rabia, um motorista de autocarro de 30 anos.

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