David Letterman pôs Kim Kardashian a chorar: esta e outras peripécias agora na Netflix

Nova temporada de My Next Guest Needs No Introduction tem Dave Chappelle e Lizzo a reflectirem sobre a consciência racial dos Estados Unidos pós-George Floyd e Robert Downey Jr. a discutir as suas batalhas contra o alcoolismo. Pelo meio, Kim Kardashian conversa sobre o caso O.J. Simpson (e chora quando se lembra do mediático assalto de 2016, em Paris).

Kim Kardashian tentou conter as lágrimas enquanto recuperou a história de um assalto em Paris
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Kim Kardashian tentou conter as lágrimas enquanto recuperou a história de um assalto em Paris DR
A <i>rapper</i> Lizzo recebeu Letterman na sua casa e tentou convidar o apresentador a tocar flauta
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A rapper Lizzo recebeu Letterman na sua casa e tentou ensinar o apresentador a tocar flauta DR
Robert Downey Jr. foi entrevistado ainda antes da pandemia
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Robert Downey Jr. foi entrevistado ainda antes da pandemia DR
Dave Chappelle conversou com Letterman no mesmo recinto onde apresentou o especial de comédia <i>8:46</i>
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Dave Chappelle conversou com Letterman no mesmo recinto onde apresentou o especial de comédia 8:46 DR

David Letterman gozou com Kim Kardashian muitas vezes durante os seus anos à frente do Late Show da CBS (1993-2015). Nada, em boa verdade, que não tivessem feito centenas de outros comediantes que se riram à custa de Keeping Up with the Kardashians, um dos reality shows mais notórios do novo milénio, para o melhor e (tendencialmente) para o pior. Na terceira temporada de My Next Guest Needs No Introduction, formato da Netflix que tirou da reforma um dos maiores apresentadores de talk shows da história da televisão norte-americana, o veterano de 73 anos, agora dono de uma barba portentosa, não mostra paternalismos ou arrogância.

Letterman não aborda a sua interlocutora como se tivesse à sua frente uma caricatura da rainha do estrelato que caminha numa passadeira vermelha sem fim. Prefere tentar saber mais sobre a Kim de carne e osso que em adolescente viu a família dividida quando o pai, formado em Direito, foi chamado a defender em tribunal o amigo O.J. Simpson – Kardashian chega a referir-se ao antigo jogador de futebol americano como “Tio O.J.” – e a mãe, muito próxima da vítima do crime, Nicole Brown Simpson, pensou que a polémica “estrela” dos Buffalo Bills havia assassinado a sua ex-mulher. Ou sobre a Kim que, há dois anos, convenceu Donald Trump a libertar Alice Johnson, avó de 65 anos que em 1996 fora presa por crimes não violentos relacionados com drogas e condenada a uma pena perpétua, “a mesma que teve Charles Manson” (neste segmento presidencial, é hilariante que Letterman pergunte à socialite em quem vai votar nas presidenciais deste ano, considerando que o episódio foi gravado meros meses antes de o marido Kanye West também se colocar na corrida à Casa Branca).

Kardashian tem suficiente auto-consciência – e surpreendente entoação cómica – para não se levar demasiado a sério e mostra isso mesmo quando diz que a enorme trança decorativa no cabelo com que se apresentou na conversa custou o mesmo dinheiro que lhe deu uma publicação com promoção paga no Instagram. Não menos interessante é a forma descomplexada como Letterman assume o seu distanciamento geracional e exibe toda a sua falta de familiaridade com a Internet. “Receio que se os miúdos ficarem viciados nas redes sociais percam a capacidade de olhar negligentemente para a televisão o dia inteiro”, ri-se.

Mas há tempo para piadas e tempo para coisas sérias. Kim chora quando se lembra de Paris e do mediático assalto de 2016, lembrando como, em poucos segundos, teve de se preparar mentalmente para a eventualidade de ser violada pelos agressores que terão levado as suas jóias. A estrela dos reality shows tenta impedir que as lágrimas lhe escorreguem dos olhos porque não quer “estragar a maquilhagem”, o que arranca um sorriso a Letterman e, ao mesmo tempo, é uma coisa tremendamente Kim Kardashian de se dizer.

Álcool e outros temas sensíveis

Também há temas sensíveis no episódio de My Next Guest Needs No Introduction que tem como convidado Dave Chappelle. A lenda do humor recebeu o apresentador em Yellow Springs, localidade do estado de Ohio onde gravou um especial de comédia que não foi propriamente feito para ter piada – 8:46, uma reacção crua e sem filtros ao assassinato de George Floyd, em Maio.

As conversas com Chappelle e a rapper Lizzo foram gravadas depois do início da pandemia e não é só através da ausência de público (no caso do episódio com Lizzo, que acolheu Letterman em sua casa e tentou ensiná-lo a tocar flauta) ou das distâncias de segurança na plateia (no caso do episódio com Chappelle) que conseguimos percebê-lo: os dois reflectem com coração pesado e amargura sobre o clima de violência que paira nos Estados Unidos e o racismo estrutural que vem consumindo o país desde que se conhece como tal.

Quando não salienta que “a mudança será desconfortável até voltar a ser confortável”, Chappelle joga uma partida descontraída de golfe com Letterman ou leva-o numa visita guiada por Yellow Springs, localidade que diz gozar de um espírito de comunidade fortíssimo e onde o comediante pode viver tranquilamente sem o brilho incomodativo dos holofotes. “Quando és famoso, toda a gente te conhece, mas tu não conheces ninguém. Aqui, toda a gente é famosa”, partilha com Letterman, o mestre do pequeno ecrã cujo Late Show mostrou a um pequeno Chappelle ícones do humor como Eddie Murphy ou Andy Kaufman.

O episódio de Robert Downey Jr. – que, como o de Kim Kardashian, foi gravado numa altura em que My Next Guest Needs No Introduction ainda podia ter uma plateia cheia – é interessante sobretudo pelo modo como o actor fala sem grandes rodeios sobre a sua luta contra o alcoolismo e outros vícios, que perspicazmente descreve como “doenças cerebrais cujas curas as pessoas não aceitam quando lhes são oferecidas”. A sua dependência, garante, nunca terá sido maior do que quando filmou Home for the Holidays (1995), longa-metragem de uma Jodie Foster de 33 anos que, com muito sarcasmo à mistura, repetidamente fez questão de dizer a Downey Jr. que estava a brincar com o fogo.

O filho de Downey Sr., autor de filmes como o clássico de culto Putney Swope (1969), mostra a sua enorme quinta de animais a Letterman antes de se divertir com histórias sobre as alterações radicais que costuma introduzir nos argumentos dos projectos em que colabora. O actor tinha 25 anos quando disse ao realizador britânico Richard Attenborough que o seu guião de Chaplin (1992) era “uma piada” e, entre gargalhadas, sugere que em 2008 reescreveu partes do seu Homem de Ferro com Jon Favreau “a cada 45 segundos”.

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