Covid-19. Alunos com baixos rendimentos abandonam universidades nos EUA a níveis alarmantes

Especialistas afirmam que a situação é preocupante porque, de acordo com um relatório do ano passado, apenas 13% dos alunos que abandonaram a faculdade acabaram por regressar e ainda menos terminaram o ensino superior.

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Apenas 13% dos alunos que abandonam a faculdade acabam por regressar e ainda menos terminam o ensino superior Andrew Kelly/REUTERS

À medida que começa um novo semestre em plena pandemia de covid-19, as universidades nos Estados Unidos têm vindo a assistir a uma tendência alarmante de abandono escolar, especialmente no que diz respeito aos alunos com baixos rendimentos e em faculdades comunitárias — o que levanta preocupações sobre a possibilidade de estes jovens nunca chegarem a concluir o ensino superior. O diário The Washington Post recolheu vários testemunhos e as razões para a desistência são várias.

Um dos casos é o de Paige McConnell, que começou a universidade em Agosto, mas teve várias dificuldades para assistir às aulas online, modelo adoptado devido à pandemia de covid-19. Na sua casa rural em Crossville, no estado norte-americano do Tennessee, não há Wi-Fi e a biblioteca local não permite que as pessoas frequentem o espaço por muito tempo devido ao novo coronavírus. Paige McConnell arranjou uma solução: a internet de um restaurante McDonald’s. Mas acabou por ser expulsa das aulas online porque a rede não era “segura”. Duas semanas depois de começar as aulas na faculdade comunitária Roane State, no Tennessee, McConnell desistiu.

Os dados de Agosto reunidos pela Free Application for Federal Student Aid (FAFSA), uma plataforma que permite aos alunos preencherem um formulário para determinar a sua elegibilidade para solicitar ajuda financeira, mostram uma redução significativa dos finalistas do ensino secundário que pretendem apoio para irem para a universidade este ano. Segundo o Washington Post, a queda nas matrículas (comparativamente a outros anos) é o mais recente sinal da crise económica desencadeada pela pandemia de covid-19 nos Estados Unidos, que afectou especialmente as famílias americanas com baixos rendimentos e as minorias (mais afectadas pelo desemprego e pela doença).

De acordo com dados de um censo realizado nos EUA em Agosto e citados pelo diário norte-americano, os estudantes de famílias com rendimento anual inferior a 75 mil dólares (cerca de 63.588 euros) têm quase o dobro da probabilidade de, neste Outono, “cancelarem todos os planos” no que diz respeito às aulas do que os jovens de famílias com rendimento superior a 100 mil dólares (cerca de 84.785 euros).

O abandono das faculdades é incomum em tempos de crise económica e específico desta pandemia, avança o Washington Post, salientando que, durante a Grande Recessão, as matrículas nas universidades aumentaram, uma vez que, em tempos difíceis e quando há menos emprego, as pessoas tendem a procurar uma requalificação e a formação.

Além disso, a situação é preocupante porque, de acordo com um relatório do ano passado, apenas 13% dos alunos que abandonaram a faculdade acabaram por regressar e ainda menos terminaram o ensino superior.

Bill DeBaun, director do National College Attainment Network’s (NCAN), responsável pela plataforma FAFSA, teme que esta venha a ser uma “geração perdida de estudantes com baixos rendimentos”.

Estudantes negros e hispânicos mais afectados

Os dados reunidos até ao momento mostram quedas especialmente acentuadas nas matrículas entre estudantes negros e norte-americanos que vivem em zonas rurais, que enfrentam contratempos como a dificuldade em pagar as propinas, o desemprego (sendo que muitos são trabalhadores-estudantes) e a própria crise de saúde pública provocada pelo novo coronavírus — que tem afectado duramente as comunidades hispânicas e afro-americanas.

Na faculdade comunitária de Harrisburg (Pensilvânia), as matrículas diminuíram 13% este Outono, tendo caído 17% entre os estudantes negros e 19% entre os alunos hispânicos. Na universidade pública do condado de Miami Dade (Flórida), as matrículas diminuíram 17,5% até então e na Universidade da Cidade de Nova Iorque a redução foi de cerca de 4%.

A empresa ligada ao sector educacional EAB tem vindo a monitorizar 100 faculdades nos EUA, tendo registado uma diminuição de 8,4% no pagamento das propinas entre famílias com rendimento anual inferior a 60 mil dólares (cerca de 50.856 euros).

Devido à pandemia, milhões de pessoas perderam empregos em restaurantes, hotéis e locais de entretenimento nos Estados Unidos, sendo que muitos deles eram fonte de rendimento para estudantes universitários e famílias mais pobres que têm agora dificuldades em pagar as contas. Em Agosto, a taxa de desemprego nos Estados Unidos era de 8,4%, subindo para mais de 14% no que diz respeito aos norte-americanos entre os 20 e 24 anos.

Entre as razões enumeradas pelos estudantes, num censo realizado entre 19 e 31 de Agosto, que decidiram abandonar a universidade neste Outono, estão a frustração ou incerteza acerca das aulas online, dos modelos de ensino e conteúdo lecionado; o receio de contrair a covid-19 e a dificuldade em pagar as propinas após a perda de emprego pelos próprios ou pelos pais.

Há ainda quem não considere razoável pagar propinas em universidades mais caras para ter aulas online e quem refira problemas relacionados com a falta de um lugar apropriado ou de internet para estudar em casa. E embora haja quem considere preferível esperar que a vida volte ao normal para voltarem à faculdade, vozes do sector educacional lembram que, no caso dos alunos com baixos rendimentos, uma paragem poderá ser mesmo irreversível, uma vez que os jovens poderão ser incentivados a arranjar trabalho e a ajudar a família.

Apesar de ainda não estarem disponíveis dados oficiais sobre o semestre de Outono, os especialistas afirmam que as tendências observadas no Verão são um bom indicador do que poderá estar para chegar.

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