O “fim da liberdade” a passar por Minsk

De Minsk chegam sinais de que já não são os ditadores a serem cercados pela pressão generalizada das democracias; a banalização das fraudes, das intimidações, dos atentados à liberdade é mais uma prova de que são os autoritarismos a cercar a democracia

A Bielorrússia fica longe de mais e não são mais umas eleições fraudulentas em favor do “mais velho ditador da Europa” que nos devem tirar do sério ou sair do sol, certo? Errado. Se é verdade que Aleksander Lukashenko é um resquício do estalinismo que se apegou ao poder em Misk já lá vão 26 anos, a facilidade com que se vai reeleger, o catálogo de abusos de direitos humanos e democráticos básicos que usou e o silêncio comprometedor da União Europeia ou dos Estados Unidos são sinais que justificam preocupação. Porque são sinais que reforçam a sensação desconfortável de que, nos nossos dias, não são os ditadores a serem cercados pela pressão generalizada das democracias; o que se receia é que a banalização das fraudes, das intimidações, dos atentados à liberdade individual ou da imprensa na Bielorrússia seja um sinal de que são os autoritarismos a cercar a democracia.

Se até 2010 Lukashenko podia ser visto como uma caricatura a ilustrar a resiliência da defunta União Soviética, hoje ele sabe que deixou de dar nas vistas. Pode usar os meios de comunicação social do Estado em seu favor na campanha eleitoral, pode afastar adversários das eleições, pode usar as polícias para proibir manifestações e prender opositores ou pode afastar observadores internacionais das eleições que o mundo reagirá com palavras inconsequentes. O que há dez anos era uma ousadia perigosa a exigir retaliações das democracias, tornou-se normal. Vladimir Putin faz o mesmo na Rússia, Erdogan faz o mesmo na Turquia e se Viktor Orbán ou Jaroslav Kaczynski não lhes seguem para já as passadas na Hungria e na Polónia é porque na EU ainda não vale tudo.

Com a vaga autoritária liderada pelo Kremlin a consolidar-se cada vez mais no Leste e na Turquia, a Europa parece deixar seguir a corrente sem ser capaz de a enfrentar. A repressão de Lukashenko ou a vontade dos bielorrussos são detalhes. Nas chancelarias, sabe-se que Putin não cede mão dos seus satélites, como a Bielorrússia, nem desiste do plano de desestabilização que consiste em introduzir e alimentar o vírus do autoritarismo no corpo das democracias europeias. Mais, as chancelarias da União discutem esse plano abertamente – basta ler a última obra de Timothy Snyder (O Caminho para o Fim da Liberdade) para que esta nova faceta da nova guerra fria entre blocos fique clara. Mas falta-lhes coragem para reagir contra abusos de direitos humanos elementares às portas da Europa.

Não sabemos se e quando essa demissão acabará. Também por isso é bom que não consideremos o que se passa em Minsk como um acontecimento distante com o qual nada temos que ver.

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