OMS preocupada com papel dos jovens no recente aumento de casos de covid-19 na Europa

Aumento das infecções entre os mais jovens é comum a vários países da Europa, mas também está a acontecer nos EUA. Responsável europeu da Organização Mundial da Saúde diz que aumento de casos não está ligado a mudanças no comportamento do vírus, mas sim a alterações “no comportamento humano” e pede responsabilidade aos jovens.

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Em Portugal, infecções entre os jovens subiram mais de 160% desde o desconfinamento daniel rocha

Os jovens podem ser responsáveis pelo aumento de casos da covid-19 em vários países europeus nas últimas semanas, algo que preocupa a Organização Mundial da Saúde (OMS). O alerta foi deixado esta quarta-feira pelo director regional da OMS para a Europa, Hans Kluge, em entrevista à emissora BBC Four.

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Os jovens podem ser responsáveis pelo aumento de casos da covid-19 em vários países europeus nas últimas semanas, algo que preocupa a Organização Mundial da Saúde (OMS). O alerta foi deixado esta quarta-feira pelo director regional da OMS para a Europa, Hans Kluge, em entrevista à emissora BBC Four.

Kluge afirmou que as autoridades de cada país precisam de se esforçar mais para comunicar assuntos relacionados com a covid-19 aos mais jovens, uma vez que a OMS tem recebido alertas de várias autoridades da Saúde de vários países sobre o aumento de infecções nestes grupos populacionais. “Estamos a receber alertas de várias autoridades sanitárias sobre uma maior proporção de novas infecções entre os mais jovens. Na minha opinião, é mais do que óbvio que precisamos de repensar a maneira de envolver os mais jovens [nas comunicações sobre a covid-19]”, afirmou.

O responsável avançou à emissora britânica que um número cada vez maior de países está a assistir a surtos localizados e a ressurgimento de casos, algo que parece não estar ligado a mudanças no comportamento do vírus, mas sim a alterações “no comportamento humano”. O director regional disse que entende que os jovens “não querem perder o Verão”, mas apelou ao sentido de responsabilidade. “Eles têm uma responsabilidade para com eles próprios, para com os pais, avós e para com as suas comunidades. Agora sabemos como adoptar comportamentos seguros, vamos aproveitar esse conhecimento”, disse.

Este aumento de casos entre os jovens parece estar a coincidir com o começo das férias de Verão (atípicas) para muitos cidadãos. Esta quarta-feira, em comunicado, a Direcção-Geral da Saúde francesa alertou para o facto de a circulação do vírus continuar activa em França” e afirmou que novos surtos de infecção foram detectados nos últimos dias, “especialmente entre jovens adultos”. A autoridade da Saúde avisa que é necessário continuar a “respeitar rigorosamente o distanciamento social”, até porque a propagação do vírus pode ser pouco visível nas camadas mais jovens​ por existirem muitos casos assintomáticos”.

Dias antes, em entrevista ao diário Le Parisien, o ministro da Saúde francês, Olivier Véran, tinha afirmado que enquanto as faixas etárias mais velhas mantiveram um nível elevado de cautela”, os jovens não o fizeram e chegam aos hospitais sem saber como ficaram infectados.

O governante admitiu a possibilidade de vir a encerrar bares e cafés em determinadas regiões, se a circulação do vírus continuar a acelerar-se. Véran afirmou que as viagens podem ajudar a explicar o aumento de casos e, ainda que diga entender que os jovens necessitam de “mudar de ares”, apelou à “vigilância da juventude”. “O vírus não tira férias”, lembrou.

Também o Instituto Nacional de Saúde Pública dos Países Baixos refere, na última actualização aos números da covid-19 no país, feita esta terça-feira, que além de um aumento do número de infecções, foi detectada também “uma mudança na estrutura etária”. “Nas últimas semanas, assistimos a um aumento maior entre as faixas etárias mais jovens do que entre as faixas etárias mais velhas”, refere o instituto. O aumento de casos é mais notório nas faixas etárias entre os 20 e os 29 anos e entre os 30 e os 39 anos.

A Austrália e o Japão, países que divulgaram novos recordes de casos diários esta semana, também alertaram para o aumento de infecções entre os jovens, escreve a agência Reuters, que diz que muitos deles têm comemorado o fim das medidas de contenção da propagação do vírus em bares e festas.

E o mesmo parece estar a acontecer em Espanha. Segundo o New York Times, em Córdova, 91 casos de infecção recentes estão ligados a uma festa numa discoteca onde estiveram mais de 400 pessoas. As autoridades de Saúde ainda estão a tentar identificar todas as pessoas que possam ter estado em contacto com os infectados nessa noite ou em datas posteriores. Menos de um mês depois de Espanha levantar o estado de emergência, cidades como Barcelona, Saragoça e Madrid estão a assistir a um aumento de casos, o que já levou à imposição de novas medidas de contenção.

Em Madrid, o uso de máscaras passou a ser obrigatório em todos os espaços públicos, para todas as pessoas com mais de seis anos e em qualquer circunstância, com excepção da prática de exercício físico. Quanto às actividades nocturnas, os bares passam a fechar à 1h30 e os espaços são obrigados a recusar novos clientes a partir da uma hora. Os restaurantes terão de registar o número do bilhete de identidade do cliente e o seu contacto, para que seja possível o rastreamento de novas cadeias de transmissão. Na Catalunha, o Governo também está a ponderar fechar bares e espaços de diversão nocturna nas próximas duas semanas.

Em Portugal, como em muitos países, a covid-19 é mais mortal na faixa etária acima dos 70 anos: a doença matou 1489 pessoas com estas idades — em todas as faixas etárias foram registadas 1722 mortes. Ainda assim, é mais nas camadas mais jovens que se detectam mais casos de infecção. Os jovens entre os dez e os 29 anos foram um dos grupos que mais casos de infecção somaram desde o dia 4 de Maio, data do início da primeira fase de desconfinamento, e até esta quarta-feira — as infecções subiram 168%.

Segundo o boletim da Direcção-Geral da Saúde desta quarta-feira, já foram confirmados cerca de dez mil casos nestas faixas etárias, um quinto do total de casos confirmados. Se incluirmos nestas contas a faixa etária dos 30 aos 39, este número sobe para 18 mil, cerca de 36% do total de infecções do país.

Jovens (também) demoram semanas a recuperar

Apesar de o alerta da OMS ter sido dirigido principalmente aos jovens europeus, o aumento de casos nas faixas etárias mais baixas também se verifica no outro lado do Atlântico. Nos Estados Unidos, os mais jovens estão a representar uma percentagem crescente de novos casos nas cidades e estados onde o vírus continua a multiplicar-se, uma tendência que preocupa as autoridades de saúde pública.

De acordo com os dados obtidos pelo New York Times, no estado do Arizona, onde os centros de testes à covid-19 em regime de drive-thru​ estão sobrecarregados, as pessoas entre os 20 e os 44 anos representam quase metade de todos os casos. Na Florida, que bate recordes de casos quase todos os dias, a média das idades dos residentes infectados caiu para 35, quando em Março era de 65 anos. Também no Texas, onde o governador interrompeu o processo de reabertura na semana passada, os jovens constituem a maior parte dos novos casos em vários centros urbanos. E não é só nos estados do Sul que esta situação se repete: o governador de Nova Iorque, Andrew Cuomo, disse na quinta-feira que as taxas de infecção em todas as faixas etárias eram estáveis ​​ou até diminuíram no estado, excepto no grupo populacionais dos 21 aos 30 anos. Esta faixa etária representa uma fracção cada vez maior dos novos casos das últimas duas semanas.

O padrão de infecções — que coincide com a reabertura de bares, restaurantes e alguns negócios e com um “aumento da socialização”, principalmente por parte dos mais jovens — está a chamar a atenção dos governadores e das autoridades de saúde pública e é um sinal preocupante para as cidades e instituições que se prepararam para a reabertura de escolas e universidades e para o regresso de eventos desportivos.

Na sexta-feira, o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla inglesa) afirmou, no seu relatório semanal de morbilidade e mortalidade, que mesmo os jovens que antes de ficarem infectados eram saudáveis podem demorar semanas a recuperar-se totalmente, ainda que tenham manifestações menos graves da doença.

A investigação do CDC, que incluiu questionários a adultos sintomáticos de 13 estados norte-americanos, concluiu que 35% não tinham voltado ao estado normal de saúde quando entrevistados três semanas depois de serem diagnosticados e que os sintomas da covid-19 — tosse, fadiga e falta de ar — ainda persistiam. Os resultados indicam que a recuperação pode ser prolongada mesmo em jovens sem problemas de saúde crónicos prévios. Os peritos do CDC defendem que é necessário fazer campanhas com mensagens de saúde pública específicas para grupos etários que ainda não perceberam a gravidade da doença.