Ou voa ou racha com a TAP

A sobrevivência da TAP constitui talvez um teste crucial que o Governo enfrenta para salvar a sua credibilidade.

Quando comecei a viajar pela TAP entre a Madeira e Lisboa nos longínquos anos 60, ultrapassei rapidamente as saudades do mar que cheguei a julgar insuperáveis a bordo desse magnífico navio que era o “Funchal” (ainda hoje o podemos ver, como uma relíquia intemporal, num cais perto do Parque das Nações). A sensação de rapidez e proximidade aéreas (90m de viagem) acabou por vencer as delícias do vagaroso tempo marítimo (24 horas) entre a minha terra e a capital do país. Além do mais, apesar desses encantos marítimos, a TAP apresentava então um excelente serviço de cabine, era pontual, os aviões estavam sempre impecáveis, enfim, não faltava nada a favor da compressão do tempo para quem, como eu, vivia a agitação febril dos verdes anos. E nem a decadência a que fui assistindo na trajectória da TAP – até atingir o ponto negro dos últimos tempos – chega para apagar essa memória feliz e intensa.

Estas são algumas razões afectivas pelas quais não sou (não posso ser) indiferente ao destino da TAP que hoje se tornou, no rasto do coronavírus, o novo psicodrama nacional. O Estado deve apostar na salvação do que pode ser salvo da nossa única companhia aérea – por razões estratégicas de interesse nacional, considerando as características periféricas e atlânticas do país e a importância crucial do “hub” de Lisboa? Ou, muito simplesmente, deve render-se às evidências mais imediatas e cruas da sua inviabilidade futura, sobretudo num contexto inédito de crise que poderá condicionar a sobrevivência do sector aeronáutico internacional enquanto se discutem os malefícios ecológicos da poluição atmosférica?

Diga-se, desde logo, que o Estado e o actual Governo não são de todo estranhos aos recentes desvarios na gestão da companhia – de que o conflito entre o administrador Lacerda Machado, amigo íntimo do primeiro-ministro, e o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, é um exemplo revelador –, justificando as reservas sobre a capacidade política governamental para encontrar um caminho de regeneração que viabilize a TAP sem custos incomportáveis para o erário público ou a repetição de um cenário como o do Novo Banco. Mas a alternativa que resta, para já, de deixar falir a TAP, além das pesadíssimas implicações financeiras dessa decisão, tornaria o país muito mais frágil e vulnerável para manter rotas essenciais à sua autonomia geopolítica no plano interno e externo (e que não é comparável aos casos de países como a Bélgica e a Suíça, que deixaram morrer as suas “companhias de bandeira” ou outros, como a Espanha que, pela sua dimensão, puderam prestar-se mais facilmente a fusões com companhias estrangeiras).

O desafio que agora se coloca à sobrevivência da TAP passa pela clareza e ambição da sua reestruturação e redimensionamento – largamente condicionados pelo contexto pós-pandemia – mas também pelo profissionalismo estrito com que esse processo for conduzido. É uma decisiva oportunidade histórica para o actual Governo aprender, de uma vez por todas – e em especial o primeiro-ministro –, que o rigor do profissionalismo, conjugado com um fortíssimo sentido do interesse nacional, é de todo incompatível com a rede de influências e amiguismos que António Costa tem frequentemente cultivado. Depois da gestão em sobressalto do coronavírus, em especial na Área Metropolitana de Lisboa, a sobrevivência da companhia aérea fundada por Humberto Delgado (os símbolos têm muita força) constitui talvez um teste crucial que o Governo enfrenta para salvar a sua credibilidade. É mesmo caso para dizer: ou voa ou racha com a TAP.

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