Não está tudo bem no ensino superior

Afinal de contas, parece que, à medida que o país desconfina, o MCTES continua em quarentena. Quem já acordou para o problema e o vive diariamente sabe que não está tudo bem.

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Nuno Ferreira Santos

Quando, em Março, as aulas presenciais foram suspensas, os estudantes viram a sua aprendizagem tomar contornos inesperados. Se, na altura, foi pedida uma rápida adaptação à nova realidade, a verdade é que muitas falhas ficaram por corrigir. Até agora, a plataforma Quarentena Académica recebeu mais de três centenas de queixas e comprometeu-se a ajudar nos casos em que lhe era possível. Contudo, rapidamente começámos a receber relatos de várias situações cuja resolução descentralizada seria impossível.

Em resposta a esta situação, o Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), Manuel Heitor, limitou-se a afirmar que não iria interferir na “autonomia responsável” das instituições de ensino superior (IES). Ainda bem, uma vez que também não é isso que lhe pedimos. Reivindicamos apenas que assegure as condições necessárias para que nenhum estudante veja a sua actividade prejudicada ou abandonada. Se é desígnio das políticas públicas o combate ao abandono escolar, então compreendamos que esse objectivo só conhecerá bons resultados com medidas preventivas.

Como tal, reivindicamos que o Governo assegure respostas coordenadas a nível nacional, tendo em conta as necessidades específicas de IES. Das três centenas de queixas que nos chegaram, cerca de 25% dizem respeito à situação financeira dos alunos e à sua dificuldade em cobrir o pagamento das propinas e outras despesas relacionadas com os seus estudos. Por muita boa vontade que as IES tenham (as que tiverem), não pode recair sobre os seus orçamentos a solução que depende do Governo central. Nenhum estudante pode ser levado a abandonar os seus estudos devido a esta situação. Permitir que tal aconteça seria admitir que o Estado falhou a estes estudantes e que estaríamos a repetir os mesmos erros da última crise económica, hipotecando o acesso ao conhecimento como direito fundamental.

Exigimos, então, apoios extraordinários para os serviços de acção social, sendo que já foi chumbada a proposta de suspensão do pagamento das propinas na Assembleia da República. No entanto, ainda nenhuma medida de apoio foi direccionada para o ensino superior. O aumento do número de bolsas de acção social, previsto pelo Orçamento Estado de 2020, só surtirá efeito em Setembro.

Face a esta ausência de respostas por parte do MCTES, no passado dia 4 de Junho, a Quarentena Académica saiu à rua em protesto. Em completa conformidade com as regras sanitárias da DGS, protestámos em todo o país com uma única mensagem: “Não está tudo bem no Ensino Superior!”. Simbolicamente, decidimos entregar ao Sr. Ministro todas as queixas que nos foram enviadas, à porta do Conselho de Ministros que estava a decorrer no Palácio da Ajuda, em Lisboa. Contactámos o Ministério para o mesmo efeito e foi-nos dito que enviássemos as queixas por e-mail, podendo demorar alguns meses a obtermos uma resposta. Falta menos de um mês, em muitos casos, para que o ano lectivo termine.

Acabámos por entregar as queixas na residência oficial do primeiro-ministro que respondeu informando o seu reencaminhamento para o Palácio das Laranjeiras. Como o contacto com o Governo tem sido ainda mais difícil do que terminar o ano lectivo em condições razoáveis, pedimos uma audição à Comissão Parlamentar de Educação e Ciência que, prontamente, a agendou. Afinal de contas, parece que, à medida que o país desconfina, o MCTES continua em quarentena. Quem já acordou para o problema e o vive diariamente sabe que não está tudo bem.

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