Arquitectura: perspectivas de curto prazo e um plano para o futuro

Não compreendemos, nem podemos aceitar, que uma profissão ultra exigente e mundialmente reconhecida seja remunerada abaixo dos 5% pagos aos agentes imobiliários que transacionam as obras que concebemos.

O contexto de pandemia que ainda vivemos, veio alterar subitamente as rotinas de todos nós. À primeira aprendizagem, com algum natural alarmismo, relativamente à experiência do confinamento, sucede-se agora o período longo, embora já mais sereno, do retorno à normalidade possível. Pelo caminho ficaram incontáveis reflexões, pensamentos e discussões sobre vírus, doenças, epidemias, hábitos de higiene, convívio, necessidades, mobilidade e, claro, Arquitectura. Afinal, a casa é o nosso último reduto perante uma ameaça pública.

Para nós, Arquitectos, estes últimos meses terão sido semelhantes aos dos restantes cidadãos. Apenas com responsabilidade acrescida de refletir sobre aquilo que construímos, e sobre como o poderíamos fazer melhor. Assaltou-nos ainda uma outra preocupação, sabendo que somos sempre as primeiras vítimas de qualquer crise económica; o que é que virá desta vez? Como iremos enfrentar uma previsível crise com o mundo parcialmente fechado?

Entretanto, algumas respostas foram surgindo e a Arquitectura parece, e bem, ter sido considerada como instrumento de recuperação económica. A construção das cidades é, afinal, um dos desígnios dos poderes públicos e, muito naturalmente, os fundos a disponibilizar, quer a nível europeu, quer internamente, passarão necessariamente pela Arquitectura, pela habitação e pelo desenho da cidade.

Porém, olhamos para estes “pacotes financeiros” com desconfiança. Afinal, já no passado vimos isto. Muitos milhões de dinheiros públicos distribuídos por uns poucos, para construírem as “Parque Escolar” do nosso descontentamento, sob a névoa da “reflexão critica sobre a cidade”. E olhamos inevitavelmente para a Ordem dos Arquitectos. É de lá que nos costumam dizer que é necessário “resgatar a Arquitectura do lixo”, ou coisa semelhante, e logo a imaginamos acorrentada e amordaçada numa qualquer cave fria, suja e húmida, que não sabemos onde fica. Só que desta vez não…

Desta vez os temas parecem ser outros. Fala-se de território e coesão territorial. Fala-se de proximidade. Fala-se de descentralização. Fala-se de representação e articulação com as autarquias. Fala-se de resolver procedimentos urbanísticos. Fala-se de igualdade de oportunidades. Fala-se de Lisboa e Porto, e dos seus centros históricos, mas também se fala das cidades médias e do território rural. Fala-se da floresta que ardeu e das casas que não se construíram e, imagine-se, até se fala de Arquitectura.

Fala-se de espaço, do necessário e do simbólico, do seu desenho. Fala-se de luz e sombra, das frentes da habitação, de varandas e terraços, de espaços de transição, de materiais e materialidade. Fala-se de acessibilidades e reabilitação. Fala-se de cidade, e de redesenhar as periferias. Aliás, qualificar as periferias e os pequenos centros urbanos, através de concursos de Arquitectura deveria ser central na utilização dos fundos de recuperação.

Algo parece ter começado a mudar no discurso hermético, abstrato e generalista dos Arquitectos. Fala-se também de orçamentos e contas, de carga fiscal anual, de IVA da reabilitação, de direitos de autor remunerados, de salários e honorários. De Honorários sempre se falou, porque o caminho tem sido o da desvalorização dos serviços em geral e de Arquitectura em particular. Não compreendemos, nem podemos aceitar, que uma profissão ultra exigente e mundialmente reconhecida seja remunerada abaixo dos 5% pagos aos agentes imobiliários que transacionam as obras que concebemos. Nem nós nem ninguém. De tal modo que contamos já hoje com o apoio de outras Ordens profissionais e até com a abertura do Governo para que a situação se resolva. Por isso não queremos “andar para trás”, porque há um plano de mudança em curso, com reformas já realizadas que importa assegurar. Há um projecto sólido para a Ordem dos Arquitectos e um plano de futuro para a Arquitectura em Portugal. Um plano que honra os sucessos do passado, e lança as bases para o futuro.

Dentro de um ano, com base na solidez dos resultados financeiros conseguidos, a Ordem dos Arquitectos terá o seu modelo de organização reformulado, as suas estruturas regionais e locais implementadas e em funcionamento, o seu Estatuto em revisão, e alguns dos problemas que hoje se colocam resolvidos; desde logo o dos estágios “à borla” com a entrada em vigor do novo regulamento. Teremos dado passos sólidos para a aprovação de um quadro regulatório para a profissão, que inclua honorários, direitos de autor e carreiras profissionais, que é o que já começamos a fazer em 2019, junto do Governo e Parlamento. Teremos articulado com os municípios e as freguesias protocolos de interesse mútuo, e teremos adequado os procedimentos urbanísticos à celeridade que a sociedade exige.

Dentro de um ano a Arquitectura e os Arquitectos terão ainda melhores respostas para as emergências publicas que permanentemente se colocam. A covid-19 permanecerá entre nós, mas não podemos esquecer as recentes cheias em Moçambique, e antes, os terríveis incêndios em Portugal, Grécia, Austrália e Califórnia, a par com cada vez mais calamidades de dimensão global que o mundo enfrenta.

Dentro de um ano queremos estar no Congresso Mundial dos Arquitectos no Rio de Janeiro (adiado devido à covid-19), com reflexões e soluções sobre Arquitectura e habitação contemporânea em Portugal. Talvez assim possamos sonhar com somar mais um Prémio Pritzker para Portugal, que seria o primeiro nesta década que agora começou.

Candidato pela lista A à presidência da Ordem dos Arquitectos, cujas eleições estão a decorrer

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