Um problema chamado Mário Centeno

Na vida pública, o que parece, por vezes, é, e Mário Centeno jamais deixará de parecer o que, de facto, foi: um ministro que trocou o Governo pelo BdP. Tem tudo para correr mal.

Mário Centeno tem todas as competências técnicas e credibilidade para ser o próximo governador do Banco de Portugal (BdP). Pelo seu passado recente nas Finanças, é merecedor do lugar que ambiciona. Mas, mesmo que haja concordância nestas duas premissas, Mário Centeno não deveria ser nomeado pelo Governo para esse cargo.

Porque o trânsito de um papel no Governo onde geriu as finanças públicas, onde tomou decisões com impacte no sistema financeiro e onde deixou um dos seus delfins não garante a indispensável distância e independência que se exige a um regulador; porque vai contribuir para a sensação recorrente de que o Governo e o PS têm uma persistente tentação em controlar todas as instâncias de poder; e porque a sua mais do que provável indicação para o cargo deixa no ar a sensação de que em causa está um prémio pessoal, a expensas da coisa pública, que não cabe em nenhuma das categorias da ética republicana.

Mário Centeno pode, na aparência, ser uma solução para o BdP, mas, na realidade, é um problema. Para ele, que, ao deixar o Governo num dos momentos mais críticos da vida do país, se vai embrulhar na legítima, embora provavelmente injusta, suspeita de que trocou a responsabilidade de gerir a crise por um bom emprego.

Para o Governo, que se vai contaminar na igualmente legítima suspeita de que gosta de ser uma agência de empregos. Para o ministro João Leão, que terá mais dificuldade em deixar de ser visto como uma criatura do eventual futuro governador. E, ponto crítico, para a supervisão, que volta a ser vista como uma teia de suspeições feita de vínculos políticos ao Governo e de boas relações pessoais.

Passos Coelho manteve no cargo de governador do BdP Carlos Costa, um homem com um passado profissional longo e credível e um distanciamento da política notório e nem isso bastou para que muitas das suas decisões caíssem no crivo das acusações do favor político. Centeno não terá a mesma margem. Até porque terá certamente de agir sobre decisões ou contextos que têm a sua chancela de ministro.

E depois de o Parlamento ter aprovado na generalidade um período de nojo para o trânsito da política para a supervisão, uma manobra duvidosa mas com impacte na opinião pública, Centeno será sempre avaliado à luz do seu passado político e não na perspectiva das suas competências para a supervisão. Na vida pública, o que parece, por vezes, é, e Mário Centeno jamais deixará de parecer o que, de facto, foi: um ministro que trocou o Governo pelo BdP. Tem tudo para correr mal.

Texto corrigido: Passos Coelho não “chamou” Carlos Costa para o cargo de governador do BdP, mas renovou-lhe, sim, o mandato em 2015.

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