Movimento estudantil: o gigante adormecido no seio do capital

Todo e qualquer movimento estudantil que pretenda proliferar e causar sérias mudanças tem de ser, de forma obrigatória, anticapitalista e plural.

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Nelson Garrido

Saudosismos e sebastianismos nunca trouxeram vantagens nenhumas a ninguém, mas que saudades que eu tenho da geração estudantil de 69! Não vivi nesse tempo. Talvez o mito dessa geração tenha sido hiperbolizado em relação ao que na realidade aconteceu. Mas querem a verdade? Nada disso interessa. Por vezes o mito é o que precisamos para avançar. Talvez o saudosismo de tempos passados, tempos de luta e de reivindicações, seja exactamente aquilo que a nossa geração necessita para combater a inércia em nós incorporada por anos e anos de estagnação.

Infelizmente, o mito não basta. Não é suficiente viver de passados utópicos e esperar que essa mesma energia revolucionária que habitou as almas das gerações passadas navegue até ao presente e dê de novo vida a um dos pilares mais decisivos da sociedade portuguesa, os estudantes.

Os estudantes, não só como futuros trabalhadores mas também como futuros eleitores, necessitam de um modelo de ensino que se coadune com as responsabilidades futuras da classe que influencia. A abstenção crescente que se tem vindo a observar nas últimas eleições deve-se a dois factores fundamentais: 1) descrença dos eleitores no modelo político vigente; 2) falta de um modelo educativo que forneça as ferramentas essenciais ao estudante para que este possa, no futuro, fazer uma análise crítica e consciente do mundo que o rodeia.

Exactamente por estes dois factores, todo e qualquer movimento estudantil que pretenda proliferar e causar sérias mudanças tem de ser, de forma obrigatória, anticapitalista e plural. Anticapitalista para que assim consiga imaginar um futuro que não seja dominado pelos antagonismos de classe. Plural para que consiga exigir, sem discriminações, todas as mudanças necessárias à sociedade actual.

No entanto, tal movimento estudantil (apesar de alguns bons movimentos já existirem) apenas conseguirá ter alguma relevância no cenário social e político do país se, antes de tudo, for apoiado por um sistema educativo forte. Parece um enorme paradoxo, eu sei, mas a grande maioria das verdades científicas não passam de paradoxos e, exactamente por isso, resumo agora o meu raciocínio: o sistema educativo actual é fraco e não funciona, pois não corresponde às necessidades intelectuais dos nossos jovens. Os jovens actualmente não têm capacidade, organização ou número para se fazerem ouvir com a dignidade que merecem. Por isso, necessitam de alguém (ou de alguma instituição) que trabalhe de forma independente a estes futuros militantes no sentido de fortalecer este mesmo sistema educativo. Uma vez que esse trabalho exterior ao movimento dê frutos, os jovens terão adquirido uma consciência social nunca antes vista e, aí sim, terão adquirido a força social necessária para catapultarem (não como líderes, mas como impulsionadores) as lutas de classes para outro patamar.

Esta instituição que vai ter de trabalhar no sentido de uma reformulação do modelo de ensino. Necessita de ser de índole partidária, utilizando a força do Parlamento para exigir mudanças e ajudar a quebrar o sistema. Infelizmente, este é um trabalho que irá demorar décadas até podermos colher os primeiros frutos. Aqui habita o principal problema. Como não é possível ganhar votos imediatos desenvolvendo este trabalho, duvido que tal mudança se venha a realizar.

Colocando ideologias de lado, considero urgente que o povo português exija dos seus representantes, quer da direita quer da esquerda, a necessidade de debater este assunto e de o tornar num dos principais pilares da política nacional no pós-pandemia.

Convoco aqui todo o espectro político português para que as facções mais conservadoras não possam utilizar a desculpa habitual que geralmente recai sobre a teoria do marxismo cultural e da tentativa da esquerda de controlar e de lavar as mentes dos nossos jovens. Exactamente para que isto não aconteça e a democracia funcione de forma plena, sugiro que nenhum partido se recuse a apresentar melhorias, pois a única coisa que isso poderia fazer era transmitir ao povo português a ideia de que tudo está bem e de que é impossível a ocorrência de aperfeiçoamentos. Ideal este que chocaria de forma absoluta com o ideal neoliberal adoptado pela direita e pelo centro no nosso país.

Tendo os jovens como impulsionadores da luta laboral e da busca por direitos, a responsabilidade recai sobre o resto da população, neste caso os trabalhadores. Estes terão de não só juntar-se ao movimento como também apropriar-se dele, cumprindo o objectivo marxista de não só envolver toda a população na luta por melhorias como também o objectivo de ter os trabalhadores e os explorados na vanguarda destas lutas e desta reivindicações. Por isso mesmo termino com o seguinte lema, que resume de forma sucinta o meu ponto de vista: estudantes e trabalhadores de todo o país, uni-vos.

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