O pântano presidencial

As próximas eleições para a Presidência da República constituem uma oportunidade de ouro para o PS afirmar o seu património ideológico e civilizacional e recusar a tentação de um centrão presidencial de interesses. É, pois, tempo de recusar o pântano e separar as águas. A bem do regime democrático.

“Se pensarmos como a direita pensa, acabamos a governar como a direita governou.” Esta frase assassina é da autoria de António Costa e foi desferida em jeito de golpe de misericórdia contra António José Seguro, durante a campanha das primárias do PS, realizadas em Setembro de 2014.

Costa construiu toda a sua estratégia de ataque a Seguro na colagem deste à direita, acusando-o de liderar uma oposição frouxa e complacente com o governo PSD/CDS e usando como armas de arremesso a célebre “abstenção violenta” do PS no OE 2012 e o “flirt” que, alegadamente, o então inquilino do Largo da Rato manteria com o então inquilino de Belém, Cavaco Silva, com este último, inclusive, a chegar a admitir um cenário de coligação PSD/PS, com Seguro como vice de Passos.

A certeira narrativa de Costa desfez num ápice a frágil liderança de Seguro, que nunca conseguiu encontrar um rumo viável para o PS, confinado na janela estreita do moribundo (pre)conceito do “arco da governação”, que excluía à partida as forças parlamentares à esquerda do PS.

Por tudo isto, não pode deixar de causar perplexidade que, depois de Costa ter rompido com a lógica de isolamento da esquerda radical e de a ter puxado para o eixo da governação, contribuindo, assim, para ampliar o leque de soluções concorrentes à formação de maiorias parlamentares, esteja agora a apostar, no seu segundo mandato, numa inversão estratégica, com uma aproximação crescente à direita, sob o alto patrocínio do Presidente da República, numa lógica em tudo semelhante à frustrada estratégia segurista, que tanto ajudou a combater.

Em política, há limites para o pragmatismo, que em excesso degenera numa insustentável leveza ideológica, que é facilmente tomada por uma ambição desenraizada de valores, que sacrifica convicções em nome de conveniências.

Começa a consolidar-se na sociedade portuguesa uma ideia muito perigosa, que os níveis obscenos da abstenção comprovam: a de que vivemos numa democracia em que os políticos ganham e o povo perde. E, por isso, é inútil votar. Um jogo de soma negativa, que tem ainda como consequência a polarização do descontentamento nos extremos e o insuflamento das propostas e dos protagonistas anti-sistema.

As próximas eleições para a Presidência da República constituem, assim, uma oportunidade de ouro para o PS afirmar o seu património ideológico e civilizacional e recusar a tentação de um centrão presidencial de interesses, onde confluiriam as elites disponíveis, mas que teria como reação um refluxo popular de consequências imprevisíveis. É, pois, tempo de recusar o pântano e separar as águas. A bem do regime democrático.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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