Partidos querem incluir diabéticos e hipertensos em grupos de risco, Governo garante que já estão abrangidos

PSD defendeu que a forma legislativa escolhida pelo Governo foi uma “afronta” ao Presidente da República.

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Parlamento foi quase unânime em colocar na lei a inclusão de diabéticos e hipertensos no grupo de risco para a covid-19 Miguel Manso

A iniciativa de chamar ao Parlamento um decreto de Maio e a sua rectificação para permitir a inclusão de doentes diabéticos e hipertensos nos grupos de risco para a covid-19 partiu apenas de três partidos, mas tornou-se unânime no debate desta tarde. Só que o secretário de Estado da Saúde, António Sales, garantiu que a lei não exclui aqueles doentes.

Em causa está o decreto de lei 20/2020 de 1 de Maio – e a sua posterior rectificação – que BE, PCP e PSD consideraram retirar aos diabéticos e os hipertensos a possibilidade de justificar a falta ao emprego, no caso de não poderem ficar em teletrabalho. Moisés Ferreira, do BE, considerou a decisão “estranha”, porque aqueles dois grupos “tiveram uma protecção especial” durante o estado de emergência, e “errada”, porque há evidência científica a demonstrar que os diabéticos e hipertensos têm risco acrescido, se forem infectados com a covid-19.

A mesma posição foi assumida pelo deputado João Dias, do PCP, que propõe ainda a criação de um subsídio a 100% com referência ao salário para estas pessoas que não podem trabalhar presencialmente. O PSD, pela voz de Alberto Machado, foi mais duro sobre a forma do processo legislativo ao condenar a concretização da alteração à lei através de uma rectificação, e não através de um novo decreto-lei. “Violou as competências do Presidente da República e é uma afronta ao Presidente da República, o que é inaceitável”, disse Alberto Machado.

Na sua intervenção, António Sales assegurou que a rectificação ao decreto “não exclui” dessa protecção especial os diabéticos e os hipertensos, já que se refere a doentes crónicos. Esses doentes crónicos abrangem “imunodeprimidos, pessoas com doença cardiovascular, doença respiratória, insuficiência renal, incluindo outras”. “A garantia que podemos dar é que, perante a avaliação médica, serão abrangidos pelo regime excepcional”, disse o governante, numa posição que foi secundada pela socialista Joana Lima.

António Sales reforçou a ideia no final do debate, depois de esta sua primeira intervenção ter suscitado dúvidas nos deputados. “A pergunta é ‘porque é que retirou [a referência explícita]?’”, reagiu Ana Rita Bessa, do CDS, que recorreu ao site da DGS para obter esclarecimentos e não os obteve.

A deputada do PAN Bebiana Cunha também expressou dúvidas sobre a posição do secretário de Estado, tendo afirmado não ter percebido “se há admissão de um lapso ou a negação de um problema”. André Ventura, do Chega, disse não ter dúvidas: “O que foi feito na lei foi mal feito, deu um mau sinal à população”.

Apesar de António Sales ter voltado a garantir que os diabéticos e hipertensos mantêm a protecção especial na lei, Moisés Ferreira concluiu com a ideia de que há consenso no Parlamento: “Ficou claro que é preciso mesmo alterar o decreto-lei, o Governo teima em não alterar, é preciso que a Assembleia altere”.

Fiscalização ao passado?

A proximidade de posições foi também o tom do debate em torno de três propostas para a criação de uma comissão parlamentar eventual de acompanhamento das medidas sobre a covid-19. A maior divergência está no âmbito de fiscalização da comissão proposta pelo CDS – que quer recuar até ao início da declaração de pandemia – e a do PS que pretende apenas monitorizar a resposta económica daqui para a frente.

No arranque do debate, a deputada do CDS Cecília Meireles deixou um aviso: “O objectivo não é ser uma para comissão de inquérito sobre as aquisições para a saúde mas também não é passar uma esponja sobre tudo o que se passou”. A deputada rejeitou a ideia de que a proposta seja uma “comissão de casos”, o que foi partilhado por André Silva, do PAN, que também avançou com iniciativa semelhante: “Não queremos uma lógica de suspeição nem um circo mediático”.

Para o deputado do PAN, a criação de uma comissão de acompanhamento faz sentido para saber “o que falhou na resposta passada, o que poderia ter sido melhor feito de forma eficaz” tendo em conta uma eventual segunda vaga epidémica. Mas a tónica da proposta do PAN está na necessidade de criar mecanismos de transparência nas aquisições de materiais, que tem como pano de fundo “os riscos da corrupção”. O combate à corrupção foi o tema central da intervenção do social-democrata Fernando Negrão, considerando que é deste tema que se trata “quando se fala em comissão de acompanhamento”. 

Na mesma linha, João Cotrim Figueiredo, da Iniciativa Liberal, disse concordar com a comissão para permitir que a “transparência socialista seja substituída pela verdadeira transparência”. 

À esquerda do PS, os deputados do PCP e do BE alertaram para o risco de esta nova comissão vir a esvaziar os trabalhos das actuais, o que foi rejeitado pelo socialista Luís Testa.

André Ventura, do Chega, assumiu ser a favor da criação de uma comissão para acompanhar os “negócios feitos na saúde”, já que “é dinheiro de contribuintes” que está em causa. O deputado do Chega dirigiu-se directamente ao bloquista Moisés Ferreira para reagir à afirmação de que, neste contexto da pandemia, o comportamento do sector privado foi uma vergonha. A intervenção acabou por gerar alguma tensão no plenário que se manteve, quando, logo depois, Cecília Meireles saiu em defesa dos “milhares de trabalhadores das IPSS”. “O senhor ofendeu-os e devia pedir desculpa”, disse a deputada.

As votações sobre os projectos de lei debatidos esta tarde realizam-se nesta sexta-feira.

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