Dia 55: os netos vão voltar a ser salvos pelos avós

Uma mãe/avó e uma filha/mãe falam de educação. De birras e mal-entendidos, de raivas e perplexidades, mas também dos momentos bons. Para avós e mães, separadas pela quarentena, e não só.

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@DESIGNER.SANDRAF

Querida Ana,

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A Marta ontem voltou ao jardim-de-infância. É tão estranho este regresso a uma normalidade, que não tem nada de normal.

Apetece-me mesmo voltar a ir buscá-la à escola, acho que é dos momentos de que os avós têm muitas saudades: chegar ao recreio ou ao portão e vê-los lá no meio dos outros a brincar, até que reparam que ali estamos e fazem um sorriso de orelha a orelha, de surpresa e alegria que nos faz ganhar o dia. Depois vamos lanchar fora ou vêm no banco de trás a cantar ou a contar qualquer coisa, que os tenha feito felizes ou infelizes, não importa, soa a confidência ali só nós e eles.

Antes da covid-19 a maioria das crianças “salvas” de prolongamentos, era salva pelos avós, e sempre achei que era mesmo um salvamento, porque entrar na escola às 8h30 e sair às 8h da noite, como tem de ser para tantas delas (e para os seus pais), uma violência. Espero que o grau de desconfinamento de muitos avós já chegue para que o possam continuar a fazer.

Mas agora conta-me tudo, estranhou?

Mummy


Querida Mãe,

Confesso que no domingo estava com o coração apertado. Tenho sorte, porque o Pinhão — a escola da Marta —, como a mãe bem sabe porque nós já lá andamos, é literalmente a melhor escola do mundo. Dizem alunos, professores e pais (curiosamente, já lá fui as três coisas). A paixão pelo ar livre e pela natureza, o respeito pela brincadeira e pela inteligência são ferramentas maravilhosas para o desenvolvimento das crianças e, curiosamente, são também as armas mais eficazes contra o coronavírus.

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Sei que vão manter os grupos pequenos e separados entre si, que vão passar a maior parte do tempo na rua — alguns momentos mesmo fora da escola na floresta ou no campo — e que as educadoras podem usar as máscaras que quiserem que nada apagará o entusiasmo, o amor e a entrega que terão para com os miúdos. Também sei que alguns estudos parecem mostrar que as crianças não transmitem entre si e que, felizmente, a imensa maioria das crianças têm versões muito leves ou assintomáticas da doença, por isso não era propriamente o vírus que me preocupava.

O que moía um bocadinho por dentro, e com certeza a tantos pais, é que os nossos filhos estiveram muitos dias em casa connosco, e agora vão voltar para um normal que não é normal, provavelmente sem alguns dos amigos que lhes serviam de bengala, e os que têm irmãos sentem a dificuldade acrescida de ter de sair, vendo que eles ficam em casa. Alguns lidarão muitíssimo bem com isso, outros nem tanto, e só espero que todas as escolas deste país tenham em conta a saúde emocional e mental, acima de tudo o resto. Que tornem essa atenção e apoio a prioridade número um do “programa”.

Quanto à Marta, hoje ficou com algumas lágrimas, mas voltou com enormes sorrisos e histórias para contar aos irmãos e pais cheios de saudades. Sorrisos que me ajudaram a ter a certeza que não havendo escolhas perfeitas, é esta a certa para nós.

Nestes primeiros dias quero ser eu a ir buscá-la, mas depois vai ficar feliz de lá a ver a si. E eu também.

Bj


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram

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