Já ninguém é Centeno

O epílogo da história dos 850 milhões está à vista e sugere o descrédito do ministro das Finanças com melhores resultados do país em muitas décadas e a resistência inabalável do primeiro-ministro, incólume até um caso que expôs fragilidades no seu Governo.

A política tem uma enorme galeria de nomes que num ápice passam de Deus ao Diabo ou de ministros que, como Mário Centeno, passam de “Ronaldo das Finanças” a banais jogadores do campeonato distrital. Há nesse caminho os velhos males da política, um terreno no qual escasseia a memória e não abunda a gratidão.

Condenado a sair quando a agenda europeia o permitir, quando a conveniência do Governo o aceitar, com a apresentação de um orçamento suplementar, e quando a temperatura política gerada pelo caso dos 850 milhões para o Novo Banco baixar, Mário Centeno tem culpas próprias no incidente que desencadeou a tempestade presente. Mas será uma enorme injustiça se a inteligência táctica de António Costa, a máquina de propaganda do Governo e o precioso auxílio do Presidente da República o transformarem no bode expiatório de tudo o que correu mal.

Mário Centeno, admitamos, pode ser o principal responsável por este estranho episódio que legitima todas as suspeitas sobre os canais de comunicação no Governo, a sua coordenação ou até, como sugere Rui Rio, os deveres de lealdade indispensáveis numa equipa. Porque, se ele não sabia nem ouviu o compromisso de António Costa no Parlamento a 20 de Abril sobre o empréstimo de 850 milhões, que só avançaria após se saber das conclusões da auditoria (da Delloite), deveria ter sabido ou ouvido.

Mas também é verdade que este vazio de informação não o fragiliza apenas a ele; convoca também o primeiro-ministro. Que, podemos suspeitar, tentou acalmar a habitual animosidade do Bloco contra os bancos com uma promessa que, ou era desconhecida do seu ministro, ou, se era conhecida, foi remetida para o caixote do lixo, num gesto de clara desautorização.

Centeno tem razão ao dizer que, com ou sem auditoria, o Estado teria de pagar mais uma conta do Novo Banco. Costa tinha razão ao exigir saber a causa de tantas imparidades antes de passar o cheque. Mas pouco interessa falar de razões quando, no final desta história, ficamos sem saber qual era a razão do Governo, que acabou por ser exposto nas suas contradições internas.

Agora, ferido na sua aura, Centeno vai arrastar-se no Governo e no Eurogrupo; seguro nas suas certezas, protegido pelo Presidente e amparado pela opinião pública, que detesta cheques a bancos, Costa sai desta opereta como só ele sabe sair: por cima. O epílogo está à vista e sugere o descrédito do ministro das Finanças com melhores resultados do país em muitas décadas e a resistência inabalável do primeiro-ministro, incólume até um caso que expôs fragilidades no seu Governo.

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