Patrões querem “bazuca” de 3000 milhões para Estado entrar em empresas em crise

A CIP concretiza proposta para criação de um Fundo de Emergência, assente em capital de risco. Pede mais linhas de crédito e apoios a fundo perdido.

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António Saraiva, presidente da CIP Ricardo Lopes/Arquivo

Chegou o momento de criar “uma bazuca portuguesa”, diz a Confederação Empresarial de Portugal (CIP), num documento enviado ao Governo, ao Presidente da República e aos partidos com assento parlamentar.

A CIP propõe a criação de um Fundo de Emergência de 3000 milhões de euros para o Estado entrar no capital de empresas em dificuldade. "Precisamos de utilizar em Portugal os instrumentos que exigimos da Europa”, lê-se na proposta.

A ideia já tinha sido avançada por António Saraiva, mas faltava conhecer as contas, que agora são reveladas no referido documento enviado às esferas do poder, horas antes de mais uma reunião da Concertação Social e a dias do início da segunda fase do desconfinamento. 

Um mês e meio depois de ter avançado com uma primeira lista de medidas de apoio, a CIP faz um balanço e acrescenta ideias novas ao pacote apresentado a 1 de Abril. A novidade principal é a constituição do tal Fundo de Emergência, que segundo a confederação liderada por António Saraiva, deverá ficar “na órbita da Instituição Financeira de Desenvolvimento”. Os 3000 milhões estariam “disponíveis para capitalização de empresas através dos fundos de capital de risco”.

Esta “bazuca portuguesa”, como lhe chama a CIP no documento a que o PÚBLICO teve acesso, será a forma de o Estado entrar em empresas em situação de crise. Para os patrões, o capital proveniente deste fundo de fundos, “poderá servir para cobrir prejuízos e financiar investimentos”. 

Os financiadores não teriam acesso à gestão e “a remuneração das operações de capitalização deve ser de médio e longo prazo”, com “rendimento variável ou ligado à evolução económica das empresas”. A referência, “nesta situação de emergência nacional”, seria “a simples devolução de capital com retorno indicativo máximo de 2% ao ano”.

Num dia em que se espera que CGTP e UGT façam na Concertação Social alertas sobre a incapacidade de muitos trabalhadores adquirirem máscaras que os protejam nas deslocações de e para o trabalho, a CIP divulga o seu plano de ajuda “simples e ágil”, sem “burocracias e perdas de tempo”, que possa ser “posto em prática com a máxima rapidez”. No documento enviado a Belém e a São Bento, defende também “a constituição, por parte do Governo, de uma task force multidisciplinar, com representantes do mundo empresarial”, para execução de um “plano de suporte à economia e ao emprego” e para a “recuperação da estratégia de desenvolvimento”.

Na lista de medidas mantém-se o recurso à banca. Para apoiar empresas do sector da restauração, agências de viagens, comércio e micro-empresas, a CIP defende a criação de uma “linha de dívida subordinada” que possa “colmatar os prejuízos sofridos em 2020/2021”.

“Esta linha seria reembolsada a partir do quinto ano por um prazo de mais cinco anos. Durante os dois primeiros, teria uma taxa de juro próxima de 0%”, lê-se no documento.

Além disso, defende a “conversão de garantias de Estado em incentivos a fundo perdido”. “Para as empresas que mantiverem a actividade económica e garantirem a manutenção do emprego, sem redução da massa salarial, a garantia de Estado seria transformada em incentivo não reembolsável (fundo perdido) como apoio ao emprego para os próximos quatro anos.”

No domínio do capital de risco, que não tem sido um instrumento muito utilizado pelos empresários portugueses, diz a CIP que “este é o momento adequado para relançar a Portugal Venture Capital Initiative e com montante reforçado (300 milhões)”, como forma de “diversificar os instrumentos de capitalização disponíveis para as empresas”.

Acresce ainda a criação de um “instrumento de recurso”. “Em casos absolutamente excepcionais, poderá haver lugar a operações de capitalização directa promovidas pelo Estado no quadro do novo regime de auxílios de Estado, através de instrumentos de dívida ou híbridos com intervenção moderada na gestão e limitadas a sectores estratégicos e ainda em casos de absoluta necessidade para defesa de ataques oportunísticos a empresas portuguesas e que não possam ser capitalizadas através de outros instrumentos”.

É algo em que Bruxelas também está a trabalhar, num quadro mais vasto. Como se soube ontem, a União Europeia (UE) está a discutir um plano de financiamento comum que permita a entrada de capital público em empresas consideradas como sistemicamente importantes. Essa entrada nas empresas serviria para evitar insolvências ou a aquisição por investidores de fora da UE.

A lista da CIP inclui outras preocupações já noticiadas: a ampliação das linhas de crédito já lançadas e cuja dotação não chega para os pedidos todos; a negociação com Fundo Europeu de Investimento e Banco Europeu de Investimento de garantias de carteira que “permita alocar já cerca de 10 mil milhões para garantias de 50 a 80%"; pagamentos a pronto por parte do Estado; reforço do seguro de crédito; garantias de Estado para novo crédito à exportação; e o prolongamento e flexibilização do layoff - algo que nem UGT nem CGTP estarão dispostas a aceitar de ânimo leve, como apurou o PÚBLICO. É conhecida a posição das duas centrais sindicais sobre este mecanismo simplificado que, na visão dos sindicalistas, “não defende o emprego”, “não impede despedimentos” e “penaliza os trabalhadores” com um corte de um terço nas remunerações.

A ideia de um “Simplex covid”, que reduza a burocracia na gestão dos apoios também está nesse pacote, assim como a dispensa do segundo pagamento por conta do IRC e o alargamento do regime de diferimento dos impostos e das contribuições da Segurança Social.

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