Centeno admite falha de comunicação com Costa no Novo Banco

Ministro das Finanças diz, em entrevista à TSF, que transferência para o Novo Banco já estava prevista.

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Reuters/RAFAEL MARCHANTE

O ministro das Finanças, Mário Centeno, reconheceu nesta manhã que houve uma falha de comunicação com o primeiro-ministro, António Costa, relativo à transferência de 850 milhões de euros do Tesouro para permitir ao Fundo de Resolução emprestar ao Novo Banco.

Numa entrevista à TSF, Mário Centeno admitiu que Costa “não tinha informação que a transferência se tinha efectuado no dia anterior", quando respondeu a Catarina Martins, líder do Bloco de Esquerda, afirmando que não haveria mais dinheiro para o Novo Banco sem uma auditoria.

"Essa informação não chegou a horas do debate, essa informação não estava actualizada quando deu a resposta [a Catarina Martins], e entendeu nesse contexto, o senhor primeiro-ministro, que havia esse pedido de desculpa a fazer.”

"Este ministro das Finanças e primeiro-ministro têm a relação institucional e de trabalho mais longa da democracia portuguesa”, sublinhou ainda, insistindo que houve uma “falha de comunicação com o gabinete do primeiro-ministro na preparação do debate quinzenal”.

Em causa está a auditoria especial que o Parlamento exigiu que se fizesse aos créditos do Novo Banco que já geraram necessidades de cerca de três mil milhões de euros desde que o banco foi vendido ao fundo norte-americano Lone Star. E que o Governo entregou à Deloitte e alargou às decisões de venda de créditos problemáticos a fundos de recuperação que têm vindo a desequilibrar as contas do Novo Banco e a exigir injecções do Fundo de Resolução todos os anos, como está previsto no contrato de compra do banco que herdou a actividade do BES.

Nos primeiros dias de Abril, o Fundo de Resolução pediu às Finanças que disponibilizassem mais 850 milhões de euros para injectar a tempo de o banco gerido por António Ramalho fechar as suas contas relativas a 2019 com os rácios de solidez nos níveis exigidos pelas autoridades. O dinheiro foi transferido no início de Maio, na véspera da intervenção do primeiro-ministro no Parlamento.

Centeno sublinhou na entrevista que houve a falha de comunicação mas não “uma falha financeira”, o que seria “desastroso” para a economia portuguesa.

Garantindo que “nunca permitiria tal coisa”, disse ainda que seria uma “irresponsabilidade” não cumprir o contrato da venda do Novo Banco. “Não há aqui nenhum desrespeito para com o dinheiro dos contribuintes”.

“Portugal não pode pôr um banco em risco. Seria uma irresponsabilidade gigantesca. Não mudei de opinião: não podemos incumprir o contrato, assim como o Novo Banco não pode”, insistiu o governante. “Ninguém faz injecções de capital no Novo Banco sem auditorias”, continuou. A auditoria da Deloitte “não contingenta as injecções" ao abrigo do acordo de 2017.

Vem aí austeridade? “Depende"

Dado o esforço orçamental feito para contrariar os efeitos económicos da pandemia, será de esperar correcções orçamentais por via de medidas de austeridade? Mário Centeno afirma que “o que aí vier depende muito do carácter mais ou menos temporário desta recessão”.

“Relembro um indicador muito importante, que é o da dívida. A previsão da Comissão Europeia para o final deste ano é quase igual, uma décima acima do que estava em 2017. É a essa ideia que nos temos de agarrar. Nós não vamos entrar em território que desconhecemos (...). Em 2016 estávamos numa situação económica e do sistema financeiro muitíssimo mais frágil do que hoje. Não tínhamos banca capaz de apoiar a economia, a CGD não tinha capital”, referiu Centeno, para vincar a diferença entre a austeridade pós-intervenção da troika e o momento actual.

O governante entende que a conjuntura hoje é melhor do que a de 2016, mas admitiu que “tudo terá de ser repensado” para o Orçamento de 2021, ainda que reafirme que não queira “repetir erros” cometidos por outros orçamentos, em termos de austeridade. Porém, também sublinhou que é preciso “não dar passos maiores do que a perna”.

Por isso, “vai ser preciso contermo-nos”. E o aumento na função pública para 2021 é um cenário a repensar.

Elogio à banca e moratórias renovadas

Mário Centeno mostrou-se globalmente satisfeito com a resposta do Estado e da banca nos primeiros momentos da crise e anunciou abertura para prolongar as moratórias.

A banca “foi muito rápida e eficaz até porque houve um decreto-lei que deu o primeiro passo nas moratórias”, avaliou o ministro, lembrando depois que o sector bancário “juntou-lhe uma moratória privada, que estendeu essa moratória a outros créditos”. “É um apoio enormíssimo à liquidez de empresas e famílias. Admito prolongar essa moratória até Setembro, não podemos criar momentos de ruptura e nessa dimensão a banca esteve absolutamente exemplar”.

Sobre atrasos de que se queixam empresas e cidadãos, Centeno disse que é preciso ser criterioso na concessão de apoios e pediu compreensão para a dimensão hercúlea da tarefa que caiu nos braços de diversos serviços quando a pandemia obrigou a esta paragem brusca da actividade económica. 

Menos 10 mil milhões em receita

Sobre o impacto económico da pandemia, o ministro das Finanças estima que ele se traduzirá no orçamento numa perda de receita “muito próxima dos dez mil milhões de euros, até ao final do ano”.

Isto realça a importância da resposta europeia, disse Centeno, que não adiantou novidades sobre a presidência do Eurogrupo. Se continua ou não líder, é uma decisão que ainda não está tomada e as notícias da sua saída do cargo, vindas da Alemanha, são fake news, resumiu o governante.

Mário Centeno gostaria de ver uma resposta europeia com capacidade para responder aos diversos desafios. Disse mesmo que “estaria à espera de um valor superior aos 500 mil milhões de euros” do primeiro pacote de ajudas que foi desenhado.

Os governos da UE “já chegaram à primeira e mais importante conclusão que é que não podemos cometer o mesmo erro em dez anos e vamos ter de criar uma rede de apoio europeia que não lance os países para um conjunto de segundas vagas de crise económica”.

TAP e nacionalizações

Sobre a ajuda à TAP, o ministro das Finanças realçou a importância “estratégica” da empresa. Mostrou-se preocupado com os montantes que serão necessários para salvar a transportadora. “Não temos um número, mais do que um número precisamos de saber quando é que esses montantes serão necessários. Este não é o momento para fazer alterações estratégicas num sector que não sabemos quando vai retomar a actividade.”

Tem-se noticiado a necessidade de garantias para um empréstimo de 350 milhões, mas Mário Centeno disse que “o accionista privado tem colocado vários números a longo do tempo e não de forma facilmente entendível para quem não tem acesso a mais informação”. “Falta fechar informação, já houve reuniões com a comissão executiva e nas próximas semanas tudo se tornará mais claro”.

Sobre eventuais nacionalizações, para proteger interesses estratégicos como a TAP, Centeno pôs esse cenário de lado: “Não vejo neste momento nenhuma empresa que tenha a necessidade imperiosa de ser nacionalizada.”

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