Brasil e a curta vida das alianças políticas

Vários pactos de elite são trabalhados e tudo está em aberto. Inclusive alianças inesperadas. A imprevisibilidade é uma característica política brasileira, muito diferente da monotonia de outros países e suas cartas marcadas.

O depoimento do ex-ministro Sergio Moro à Polícia Federal, na sequência das acusações por ele formuladas ao sair do cargo, é hoje o documento político mais procurado do Brasil. Não está livre de vazamento, prática na qual Moro revelou expertise quando era juiz- chefe da Operação Lava Jato. Agora talvez não tenha interesse nisso, mas há quem tenha. O PT, por exemplo, não esquece que Moro condenou Lula e que a afirmação de inocência pelo ex- presidente não permite contemplações em relação ao juiz, sob risco da má interpretação no eleitorado.

No sentido inverso, aliás, Moro – politicamente muito menos experiente que Lula – disse que Bolsonaro o pressionou mais que Dilma Roussef, levando vastos setores da população a considerar que “agora até ele acha que a Dilma não era tão ruim assim”.

Em outras faixas da classe política brasileira, o assunto é visto sob outros critérios. Pode representar uma fratura grave no seio da aliança que levou Bolsonaro ao poder, semelhante ao ocorrido entre as forças que levaram Dilma ao poder em 2014, cujo rompimento provocou a sua queda.

Estes súbitos antagonismos entre aliados são comuns nas lutas dentro das elites políticas brasileiras. Só para falar dos casos mais recentes, ocorreu entre Fernando Henrique Cardoso e o ex-Presidente Itamar Franco, nos anos 1990. Mais tarde, pouco depois de chegar ao poder, Lula demitiu bruscamente o então ministro da Educação, Cristovão Buarque, quando este estava ausente do país e era titular há muito pouco tempo. O inicial ministro da Educação de Bolsonaro também mal tinha assumido a pasta ao ser afastado sob pressão de ultra conservadores que pretendem controlar a educação.

A demissão de Moro têm obviamente mais impacto, mas não é sem antecedente nas referidas lutas das elites dirigentes. Ele fazia sombra, como fazia Marina Silva, ministra do Ambiente de Lula, num momento em que já se debatiam as candidaturas à sucessão deste.

A trajetória de Moro será, em campo diferente, a mesma de Marina? Ou então - tal como aconteceu com os então vice-presidentes João Goulart, Itamar Franco e Michel Temer nos vazios criados por Jânio Quadros, Collor de Melo e Dilma Roussef -  tudo isto vai projetar ainda mais a figura do vice-presidente, general Hamilton Mourão, elogiado até pela personalidade em maior crescimento na esquerda brasileira, o governador do Maranhão, Flavio Dino?

 Considerações deste tipo levam apoiantes do atual Presidente a falar em planos golpistas, tal como fazia Dilma e o PT. As mais recentes dessas alegações vêm de novo reforço, Roberto Jefferson, antigo aliado de Collor e Lula, líder do partido trabalhista e figura chave no desencadear do processo do “mensalão”. A sua entrada na base de apoio ao atual governo, corresponde à formação de bloco parlamentar em número capaz de desfazer projetos de impeachment, acrescentando figuras do famoso Centrão.

O centro, no entanto, não está homogéneo e o PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, procura criar uma força centrista definida como democrática e progressista. O seu maior expoente, neste momento, é o governador de São Paulo, João Doria, sobretudo se sair bem na gestão da crise sanitária. A este nível, num regime federal como o brasileiro, é muito mais relevante o que digam e façam governadores e prefeitos do que o próprio Presidente da República.

Há também dois outros pré-candidatos a correrem por fora (mais ou menos). O presidente da Câmara de Deputados, Rodrigo Maia, da direita liberal e Luciano Huck, apresentador de televisão, atividade profissional que tem gerado políticos em todo o mundo, por razões inerentes ao próprio show e à guerra das narrativas, dominante na política desde Maquiavel. Por isso, é bom não o subestimar.

Também seria grande erro subestimar o Presidente Jair Bolsonaro em virtude dele não possuir formação académica, como erraram os que subestimaram Lula pela mesma razão. Política não é ciência.

O problema é que a situação económica permanece como tem estado desde 2012, quando o modelo baseado no Plano Real esgotou, começou a queda de preços dos bens primários no mercado mundial e baixou o Investimento Direto Estrangeiro, dos quais dependia toda a política económica precedente.

Teve aí início a vaga de milhões de desempregados e encolhimento da procura interna devido ao alto número de salários baixos, conducentes às manifestações de 2013, com participantes de esquerda e direita, fingindo ignorar-se.

As manifestações destes últimos meses, tanto favoráveis como opostas ao governo, são de dimensão mínima mas os problemas são os mesmos. Leia-se: em economia quando os problemas ficam na mesma durante anos, pioram. O país vive em recessão há seis anos, com irrisórias taxas positivas pontuais.

Perante este cenário, vários pactos de elite são trabalhados e tudo está em aberto. Inclusive alianças inesperadas. A imprevisibilidade é uma característica política brasileira, muito diferente da monotonia de outros países e suas cartas marcadas.

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