O que é o caso "mensalão"?

Quais são as alegações?O Governo do Partidos dos Trabalhadores (PT), minoritário no Parlamento, é acusado de pagar uma mesada aos deputados para que estes aprovassem os seus projectos eleitorais e de fazer empréstimos avalizados por um publicitário, Marcos Valério, que seria o "homem da mala" que transportava o dinheiro para que este fosse depois distribuído pelos deputados. Para além disso, o partido do Presidente Lula é acusado de não declarar verbas usadas para campanha eleitoral.

Quem fez as acusações?A alegação inicial foi feita pelo deputado Roberto Jefferson, acusado ele próprio no âmbito de um caso de alegada corrupção nos Correios. Agora, à medida que avançam as audiências da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), começam a surgir mais revelações. Investigações revelaram ainda que o antigo secretário-geral do PT Silvio Pereira tinha recebido um Land Rover da empresa GDK, que tem contratos avultados com a estatal Petrobrás e que tinha doado verbas substanciais para a campanha de Lula e do PT para a prefeitura de São Paulo.

Que provas há?Ainda não há provas concretas de que tenha sido pago dinheiro a algum deputado. Mas vários deputados ouviram falar do esquema, e contas em nome de Marcos Valério foram alvo de grandes levantamentos de dinheiro na mesma altura em que assessores de deputados estiveram no banco, segundo dados fornecidos pelas instituições. Um assessor de um deputado do PT foi apanhado num aeroporto com dinheiro não só numa mala (mais de 67 mil euros, em reais) como também escondido nas cuecas (100 mil dólares, mais de 82 mil euros).

Qual a gravidade?Uma compra de votos de deputados seria sempre grave mesmo num país já considerado "propício" à corrupção. Mas o caso chocou por ter como protagonista o partido que era considerado o guardião da ética política. O PT era visto como o mais honesto e íntegro da política brasileira. Para já não houve ainda detenções, mas a comissão Parlamentar de inquérito pediu a prisão preventiva do publicitário Marcos Valério por este estar a destruir provas de possíveis irregularidades.

Que cabeças rolaram?Dentro do PT, demitiram-se o presidente José Genoino, o tesoureiro Delúbio Soares e o secretário-geral Silvio Pereira. No Governo, começou por cair o todo-poderoso ministro chefe da Casa Civil José Dirceu. Lula fez de seguida uma reforma ministerial em que diminuiu o peso do PT (de 20 em trinta ministérios que tinha em 2003 para 15) e aumentou a participação dos aliados PMDB, PL e PSB. Em relação às empresas públicas, Lula substituiu o chefe da Petrobrás, a maior delas, e estava em marcha uma política de "despetização" (retirada de membros do PT) do Banco do Brasil.

Qual é o envolvimento do Presidente?
Para já, ninguém acusou directamente Lula, mas as alegações começam a chegar perigosamente perto do Presidente (ver texto). Na semana passada a mulher de Valério, Renilda, afirmou que José Dirceu, que era o braço-direito de Lula, sabia dos empréstimos feitos em nome de Valério que eram depois passados ao PT. Vários analistas manifestaram dúvidas de que Lula não soubesse de nada.

O que poderá acontecer a Lula?Lula tem sido pouco afectado, já sendo conhecido como "o Presidente Teflon, em que nada gruda". Mas a economia começa a dar sinais de desgaste, e dia-sim-dia-não há novas revelações potencialmente perigosas para o seu partido e para o Governo. Muito vai depender do que foi apurado pela comissão de inquérito e do grau de proximidade de Lula com os envolvidos. Por agora, a candidatura de Lula às presidenciais de 2006 parece, ainda, viável, e a destituição um cenário muito improvável.

E os efeitos no Brasil?A economia brasileira começou a dar sinais da crise, com o dólar a subir e as bolsas a descer. No entanto, num artigo de opinião na revista Veja desta semana é sustentado que a crise mostra que o Brasil é um país maduro pois não houve "terramotos institucionais".

Porque é que o Brasil é especialmente susceptível a situações de corrupção?O professor de ciência política David Fleisher aponta várias características do sistema político brasileiro: muitos cargos (cerca de 30 mil) de livre nomeação pelo Presidente, eleições proporcionais que fazem individualizar as campanhas para deputados, que gastam grandes verbas, sistema de financiamento das campanhas em que 90 por cento vem da chamada "caixa dois" ou contabilidade paralela, a migração facilitada de deputados de um partido para outro (o "troca-troca") e a total falta de fidelidade política. Para além disso, Fleisher considera ainda que houve um "aparelhamento" de organismos públicos com militantes do PT desde que Lula assumiu a presidência.
Segundo Andreas Boeckh, professor universitário alemão especializado em política da América do Sul, a fragmentação parlamentar causa a procura, por todos os meios, de maiorias. "O Governo enfrenta sempre um dilema: ou paga um determinado preço pelas reformas ou não consegue aprovar as suas propostas o que, politicamente, a longo prazo, é um desgaste maior. É mais barato comprar alguns votos do que suportar um eterno bloqueio da oposição. Parece cínico, mas é assim que tem funcionado a política do Brasil." Outro problema é a lei de financiamento dos partidos, diz o especialista em ciência política Bruno Speck. Na década de 90 a legislação sobre o financiamento das campanhas foi alterada, e desapareceram os limites da doação - em contrapartida, tornou-se obrigatória a declaração das doações.

Que alterações a estas "causas" foram feitas por Lula na sequência do escândalo?
Vários comentadores políticos têm "cobrado" de Lula alterações mais profundas para alterar este sistema, insistindo mesmo alguns na necessidade de alterar o sistema presidencialista. Até agora, a única medida que Lula tomou que se aproxima destas causas tidas como propiciadoras da corrupção foi limitar os cargos de livre nomeação para cargos de direcção pelo Presidente fora da função pública para seis mil. Mas segundo um estudo recente, disse o professor de ciência política David Fleisher ao PÚBLICO, há actualmente cinco mil nomeados, ou seja ainda haveria espaço para mais mil nomeações.

Houve casos semelhantes de compra de votos?
Sim. Por exemplo, em 1997 foi deste modo que se juntaram votos para a alteração da Constituição que permitiu a reeleição do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Os deputados "comprados" ganharam 200 mil reais (hoje perto de 68 mil euros) cada para aprovar a alteração.

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