Arábia Saudita abole pena de morte para crimes cometidos antes dos 18 anos

Reino também proibiu a flagelação, mas mantém outras formas de punição violentas, como a amputação. Medidas surgem um ano e meio após a indignação internacional pelo assassínio do jornalista Jamal Khashoggi.

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A decisão é atribuída "às reformas" do príncipe herdeiro, Mohammed Bin Salman, acusado pelos críticos de reforçar a perseguição aos seus opositores Reuters/ANDRES MARTINEZ CASARES

Poucos dias depois de anunciar o fim das chicotadas como forma de punição pelos tribunais, a Arábia Saudita anunciou agora que vai proibir a aplicação da pena de morte a pessoas condenadas por crimes cometidos antes dos 18 anos de idade. A decisão pode travar a execução de seis jovens, todos da minoria xiita, acusados de participarem nas manifestações da Primavera Árabe, em 2011, quando tinham dez anos de idade.

O anúncio foi feito pela Comissão de Direitos Humanos da Arábia Saudita, uma organização criada pelo Governo, que defende as posições oficiais das autoridades – em 2018, por exemplo, apoiou a recusa do reino em permitir uma investigação internacional ao assassínio do jornalista Jamal Khashoggi, estrangulado e esquartejado no consulado saudita em Istambul, na Turquia.

“É um dia importante para a Arábia Saudita”, disse o presidente da organização, Awwad Alawwad, num comunicado citado pelo site do canal Al-Jazeera. “O decreto ajuda-nos a estabelecer um código penal mais moderno, e demonstra o compromisso do reino com as reformas anunciadas para todos os sectores do nosso país.”

De acordo com o mesmo responsável, o decreto assinado pelo rei Salman determina que as pessoas condenadas por crimes cometidos antes dos 18 anos terão como pena máxima dez anos de prisão em cadeias para menores de idade.

A mudança pode travar a condenação à morte de Murtaja Qureiris, um saudita de 18 anos que foi acusado de sedição e de integrar um grupo terrorista quando tinha dez anos, juntamente com outros jovens sensivelmente da mesma idade.

Qureiris foi detido em 2014 na fronteira com o Bahrein, mas era procurado pelas autoridades desde 2011 por envolvimento nos protestos da Primavera Árabe. Num vídeo divulgado pela CNN, captado em 2011, Murtaja Qureiris é visto a encabeçar um grupo de outras crianças, em bicicletas, numa manifestação.

Foi acusado de incitar à violência e de lançar cocktails molotov contra uma esquadra da polícia, juntamente com o seu irmão mais velho, que viria a ser morto durante os protestos.

Segundo a organização não-governamental Amnistia Internacional, Murtaja Qureiris foi mantido sem acusação até 2018 e esteve isolado e sem direito a representação oficial por advogados até à data da primeira audição, em Agosto de 2018. No ano seguinte, a acusação pediu ao tribunal que fosse condenado à morte por crucificação, e que o seu corpo fosse desmembrado.

Outros três jovens, identificados como Ali al-Nimr, Dawood al-Marhoon e Abdulla al-Zaher, foram condenados à morte e aguardam a sua execução, segundo o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos.

No sábado, o Supremo Tribunal da Arábia Saudita anunciou que a flagelação deixaria de constar na lista de castigos corporais à disposição dos juízes, uma decisão também atribuída “às reformas introduzidas sob a direcção do rei Salman e a supervisão directa do príncipe herdeiro, Mohammed Bin Salman”. 

Em vez de chicotadas e açoitamentos, os condenados por crimes de assédio, relações extraconjugais ou embriaguez no espaço público, por exemplo, devem ser punidos com multas ou penas de prisão. A Justiça saudita não se baseia num sistema legislativo codificado, mas sim na interpretação que cada juiz faz da sharia, a lei islâmica.

O mais recente relatório da Amnistia Internacional sobre a pena de morte no mundo regista 184 execuções na Arábia Saudita em 2019, incluindo pelo menos uma pessoa acusada de crimes cometidos antes dos 18 anos.

Ao todo, a organização de defesa dos direitos humanos registou 657 execuções em 20 países, menos 33 do que em 2018 – o número mais baixo da última década. O país com mais execuções continua a ser a China, e a Amnistia Internacional admite que os números a que teve acesso podem ser muito inferiores à realidade porque essa informação é considerada segredo de Estado no país.

Sem contar com os números da China, 86% das execuções ocorreram em quatro países – Irão, Arábia Saudita, Iraque e Egipto.

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