Arábia Saudita condena cinco pessoas à morte no caso Khashoggi

Relatora das Nações Unidas que investiga o caso chama “uma farsa” ao processo judicial na Arábia Saudita.

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Vigília por Jamal Khashoggi Osman Orsal/Reuters

As autoridades sauditas anunciaram o desfecho do seu processo judicial sobre a morte do jornalista Jamal Khashoggi, com cinco condenações à morte e três outras a penas de prisão, enquanto um conselheiro da família real, no poder, foi investigado mas ilibado.

Este processo, que o procurador-geral pedia condenação à morte para os 11 acusados, é visto com preocupação por várias organizações de defesa de direitos humanos, num caso em que o corpo não apareceu e uma investigação das Nações Unidas fala de “indícios credíveis” do envolvimento no crime do príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman.

Jamal Khashoggi entrou no dia 2 de Outubro de 2018 no consulado saudita em Istambul, onde tinha pedido um documento de que precisava para casar com a sua noiva, a turca Hatice Cengiz. Cengiz ficou à sua espera horas e horas; ele não voltou a aparecer.

A relatora especial das Nações Unidas que investiga o caso da morte de Jamal Khashoggi, Agnès Callamard, expressou antes preocupação com o processo que julgou onze suspeitos na Arábia Saudita, notando “a falta de informação pública sobre a sua identidade, sobre a transparência e justiça do processo, e a potencial aplicação da pena de morte”. 

Esta segunda-feira, Callamard não demorou a reagir à notícia, classificando o processo como “uma farsa”.

“Conclusão: os assassinos são condenados à morte. Os que planearam o crime não só ficam livres; mal foram tocados pela investigação”, disse no Twitter. “Isto é a antítese de Justiça.” 

New York Times noticiou a transcrição de escutas dos serviços de espionagem norte-americanos em que o príncipe herdeiro saudita comentava com um alto responsável do regime que ponderaria usar “uma bala” em Khashoggi, se este não voltasse para Riad e acabasse com as críticas que vinha a fazer ao seu Governo. Estas transcrições foram a mais directa ligação entre Mohammed bin Salman e o assassínio de Khashoggi, cuja responsabilidade Riad negou.

Segundo informação obtida pela Reuters, haverá também registos de uma chamada por Skype do consulado para um conselheiro chave do príncipe herdeiro, que seria o mesmo que supervisionou a pressão sobre o então primeiro-ministro libanês, Saad Hariri, que anunciou a sua demissão enquanto estava na Arábia Saudita, numa visita que se estendeu provavelmente contra a sua vontade.

Após várias versões, o Governo de Riad acabou por dizer que Khashoggi foi morto num caso de “erros e mal-entendidos” por uma equipa que levou a cabo uma missão não autorizada, que pretendia levar o jornalista de volta para a Arábia Saudita. Ao não conseguirem convencer Khashoggi a regressar à Arábia Saudita  vivia há anos em Washington , os operacionais sauditas acabaram por o matar. 

“Sem premeditação”

Um porta-voz do procurador-geral, Shaalan al-Shaalan, fez uma rara declaração a propósito do processo, argumentando que não houve premeditação “no início da missão”. “O assassínio aconteceu no calor do momento, quando o chefe da equipa de negociação inspeccionou as instalações do consulado e percebeu que era impossível mover a vítima para um local seguro para recomeçar o interrogatório, as negociações. O chefe da equipa de negociação e a equipa discutiram então, e concordaram, matar a vítima dentro do consulado.”

Há no entanto elementos no caso que apontam para premeditação, como denunciou o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que revelou existirem gravações de vídeo que mostram alguém muito parecido com Khashoggi a sair do consulado – um “duplo” para driblar a vigilância – e o facto de alguém ter retirado partes do sistema de gravação de imagem das câmaras de segurança antes de o jornalista entrar no consultado saudita em Istambul. 

Callamard disse que “é muito claro que houve um grande planeamento e preparação após a visita inicial de Khashoggi a 28 de Setembro [ao consulado saudita em Istambul]: a criação e viagem de três equipas que levaram a cabo a operação, a presença de uma pessoa parecida com Khashoggi que foi vista a sair do consulado, a presença de um médico forense, a fuga dos membros das equipas e, claro, o desaparecimento do corpo, cuja localização é ainda desconhecida”. 

No seu relatório final, Callamard acusa a Arábia Saudita de “execução premeditada e deliberada” e diz que há “indícios credíveis” de que o herdeiro do trono e outros altos responsáveis do reino saudita estiveram envolvidos no crime.

Baseando-se nas gravações áudio das conversas registadas no interior do consulado saudita em Istambul, onde Khashoggi foi morto, o relatório reconstitui o momento em que o jornalista é encurralado pelos agentes sauditas — um deles terá mesmo dito que “tinham vindo para o apanhar”. Na gravação ouvem-se sons de confronto físico e de respiração ofegante e pesada.

Khashoggi era crítico de algumas medidas do príncipe herdeiro, no entanto, não se considerava um dissidente: apoiava também várias outras medidas das autoridades sauditas. Era um homem que, de acordo com amigos e colegas, “adorava a Arábia Saudita”, notou a relatora da ONU, Agnès Callamard. 

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