Ameaça da covid-19 motiva contactos secretos entre socialistas e opositores venezuelanos

Reuters cita fontes próximas de Maduro, de Guaidó e do Departamento de Estado norte-americano, que confirmam a “conversas exploratórias” sobre o futuro do regime e a resposta à pandemia. Líder da oposição fala em “informação falsa”.

Foto
Fragilidade económica e escassez de bens essenciais fazem prever propagação rápida do vírus na Venezuela Reuters/MANAURE QUINTERO

Elementos dos dois lados da barricada política venezuelana iniciaram recentemente “conversas exploratórias” secretas sobre soluções para a Venezuela lidar com o impacto do novo coronavírus na frágil economia do país, noticiou a Reuters na terça-feira à noite. A agência noticiosa citou fontes do Partido Socialista (PSUV), do Presidente Nicolás Maduro, e ainda deputados da oposição liderada por Juan Guaidó e responsáveis norte-americanos. Mas o presidente da Assembleia Nacional negou a existência desses contactos, rotulando a informação de “falsa”.

“Esta informação é falsa. A alternativa democrática está unida na sua causa e existe apenas um acordo possível para salvar a Venezuela: constituir um governo de emergência nacional, sem ‘narcos’ em Miraflores [sede presidencial], que possa aceder à ajuda internacional de que necessitamos”, reagiu Guaidó no Twitter.

Segundo a Reuters, foi a emergência sanitária, somada aos receios sobre a hiperinflação, ao abalo da crise no mercado energético e à pressão das sanções dos Estados Unidos sobre a economia venezuelana, que levaram representantes de Maduro e de Guaidó a sentarem-se à mesma mesa para discutir, entre outras coisas, o futuro do regime.

Entre as sete fontes com as quais a agência falou, existe uma ideia generalizada de que ambos os lados estão receosos de que a pandemia possa prejudicar as respectivas reivindicações políticas.

“Há dois extremos: os que, como Maduro, acreditam que o vírus vai pôr fim à liderança de Guaidó, e os que esperam que a crise derrube Maduro. Eu acredito que devemos encontrar soluções”, disse à Reuters um deputado da oposição ao chavismo.

Um responsável no Departamento de Estado norte-americano confirmou à Reuters a existência de “muitas conversas privadas” entre elementos dos dois lados da contenda, “especialmente desde que os EUA anunciaram o plano de transição” para a Venezuela. “O que ainda não aconteceu foi uma negociação política”, explicou a fonte, contrariando a posição de Guaidó.

Ao mesmo tempo, as forças opositoras também concordam que a situação política e económica da Venezuela prejudica uma resposta eficaz à propagação do vírus, que já infectou mais de 280 pessoas, segundo os dados oficiais.

Há escassez de medicamentos, o sistema de saúde está enfraquecido pela falta de investimento e a imposição de medidas de confinamento adivinha-se complicada, tendo em conta que grande quantidade de venezuelanos depende da economia informal para sobreviver.

Braço-de-ferro político

Para além da crise social, económica e humanitária que a Venezuela enfrenta há vários anos, e que faz prever impacto muito negativo da covid-19, o país latino-americano é palco de uma disputa pela legitimidade política desde Janeiro do ano passado, quando Juan Guaidó foi proclamado presidente interino pela Assembleia Nacional, onde a oposição tem maioria – tendo sido reconhecido por países como os EUA, o Brasil, o Reino Unido ou Portugal.

O braço-de-ferro entre Maduro e Guaidó tem vindo a arrastar-se desde essa altura e nenhum dos lados conseguiu quebrar o impasse, apesar dos esforços do líder da oposição para angariar apoios internacionais e manter a sua causa no espaço mediático e noticioso.

O principal aliado do presidente da Assembleia Nacional tem sido Donald Trump e a sua Administração, que defendem uma política de “pressão máxima ao regime”, através de sanções económicas, particularmente sobre a exploração petrolífera estatal – a principal fonte de rendimento da Venezuela.

Na terça-feira o Departamento de Tesouro norte-americano ordenou à Chevron – a mais importante petrolífera norte-americana entre as poucas que ainda operam na Venezuela – que “reduza” a sua actividade no país até ao dia 1 de Dezembro.

Com o apoio de Guaidó, os EUA apresentaram recentemente um plano de transição política para a Venezuela, que inclui um governo de salvação nacional, o levantamento das sanções, a saída de cena de Nicolás Maduro e o agendamento de eleições presidenciais e legislativas para o fim do ano, com o presidente do Parlamento como candidato da oposição.

Sugerir correcção