Desta vez é diferente

O mau é que esta crise “pandémica” é enfrentada com níveis elevados de endividamento do Estado, particularmente no caso português. Enfrentamos esta crise como nunca enfrentámos outra: endividados, ou seja, de mãos atadas.

Seguindo as previsões das instituições económicas, é ponto bem assente que vamos enfrentar um cenário de crise em 2020. Do ponto de vista puramente económico, e comparando com a última crise – a das dívidas soberanas ,– trata-se de uma perturbação forte, mas não estrutural, e de caráter temporário. Quero com isto dizer que não se trata da falência de um sistema económico em particular, como aconteceu com o setor financeiro há 12 anos, o que augura, à partida, uma recuperação mais rápida.

O mau é que esta crise “pandémica” é enfrentada com níveis elevados de endividamento do Estado, particularmente no caso português. Enfrentamos esta crise como nunca enfrentámos outra: endividados, ou seja, de mãos atadas. A dívida pública atingiu em finais de 2019 cerca de 118% do PIB, enquanto que em 2008 era de 76% do total de riqueza criada. No entanto, e virando agora a agulha para a vertente externa, é um facto que os outros setores da economia portuguesa aproveitaram este período para abrandar a sua posição devedora face ao exterior: em 2019, o total de dívida externa líquida (dívida da economia face ao exterior deduzindo o que o exterior deve à economia portuguesa) era de 85% do PIB, comparando com 76% do PIB em 2008.

A aparente substituição de dívida privada por dívida pública, como aconteceu na última crise financeira, tem assim menor margem para acontecer de novo. Outros setores, como o bancário, estarão mais dispostos a intermediar uma recuperação económica, mas os Estados vão ser de novo chamados a intervir. Mas para que tal ocorra vão ter que o fazer relaxando as regras impostas pelo Tratado Orçamental, que disciplina as contas dos Estados, e um sistema de partilha comum das dívidas tem que ser colocado em cima da mesa.

Deste ponto de vista, a emissão de coronabonds não será suficiente: a emissão conjunta de dívida não só não alivia a dívida dos Estados como igualmente a aumenta, com juros baixos, tal como se vêm mantendo sem coronabonds. Com um Estado ainda mais endividado, por certo, sobrará o caminho da austeridade.

Mas o caminho pode não ser esse. O economista-político Mark Blyth, na sua obra Austeridade: A história de uma ideia perigosa, explica que esta estratégia, se adotada por todos, pode virar-se contra os próprios Estados, porque ficam sem mercados para exportar e intensificar o crescimento económico. É por isso que o ajustamento pós-pandémico deverá ser feito por todos, de forma diferente: desta vez, os países que têm vindo a acumular poupanças e excedentes comerciais, como a Alemanha, terão que ser chamados a levar a cabo programas de investimento público e de importação de produtos de países deficitários, fazendo fluir as suas poupanças para países em que os Estados têm a “corda na garganta”.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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