Provedora considera proporcionais as suspensões dos direitos de resistência e à greve

Deputado municipal de Lisboa Rui Costa pede à Provedoria de Justiça para suscitar a fiscalização da constitucionalidade do decreto presidencial do estado de emergência. Maria Lúcia Amaral não vê motivos para isso.

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Maria Lúcia Amaral, provedora da Justiça Rui Gaudencio

A provedora de Justiça considera que a suspensão do direito à greve e do direito de resistência, contida no decreto presidencial do estado de emergência, está justificada pela pandemia de covid-19, sendo necessária e proporcional aos objectivos do estado de excepção.

A posição de Maria Lúcia Amaral é exposta na carta que escreveu ao deputado municipal de Lisboa, o independente Rui Costa, que tinha enviado à Provedoria uma exposição em que defendia que a suspensão daqueles dois direitos fundamentais era inconstitucional. O jurista requeria, por isso, que a provedora pedisse ao Tribunal Constitucional a fiscalização sucessiva daquelas normas do decreto presidencial, aprovado no Parlamento.

Na sua exposição, Rui Costa sustenta que a suspensão do direito à greve não era necessária e, por isso, é desproporcional, “uma vez que o Governo tem à sua disposição o instrumento da requisição civil”.

Maria Lúcia Amaral discorda, por considerar que o “simples anúncio de uma paralisação” iniciaria um processo em que “tudo redundaria em sério prejuízo da vida colectiva”. Por outro lado, a provedora não vê motivos para que “um qualquer conflito laboral (…) não pudesse vir a ser discutido após” o fim do estado de emergência.

Outro ponto que Rui Costa considera inconstitucional é a suspensão do direito de resistência, por entender que se trata de um metadireito, ou seja, um princípio fundamental, e como tal ser insusceptível de ser suspenso. Na sua opinião, a sua suspensão traduz-se numa “violação intolerável ao princípio da dignidade da pessoa humana”.

Mas ainda que assim não se entenda, prossegue Rui Costa na exposição, “a suspensão do direito de resistência viola grosseiramente o princípio da proporcionalidade”, porque a lei do estado de emergência “já prevê a punição penal da desobediência”, pelo que “tal suspensão não se demonstra necessária ou adequada”.

Na resposta, a provedora considera que o crime de desobediência é “curto para o alcance pretendido”, pois “não colmata a contaminação eventualmente ocorrida pela desobediência a determinada ordem”. “Só há que sujeitar a restrição do direito ao crivo da proporcionalidade e necessidade”, diz Maria Lúcia Amaral, considerando que esses requisitos estão cumpridos.

“A suspensão do direito de resistência (por definição a ordens ilícitas) tem a virtualidade de afastar a sua errada invocação contra ordens que, afinal, respeitam os direitos, liberdades e garantias”, diz a provedora. Ainda assim, sublinha que “a ausência do direito de resistência não tem o condão de tornar lícito o que hipoteticamente for ilícito”, e, portanto, haverá sempre a via judicial comum depois do fim do estado de emergência.

Essa é também a resposta que dá relativamente a um terceiro ponto de duvidosa constitucionalidade do decreto, o art.º 7.º, no qual se consideram “ratificadas todas as medidas legislativas e administrativas adoptadas no contexto da presente crise, as quais dependam da declaração do estado de emergência. Para Rui Costa, trata-se de “uma espécie de ‘Bill de indemnidade’, à boa maneira da vigência da Carta Constitucional de 1826, desresponsabilizando os decisores políticos de medidas eventualmente já tomadas e contrárias à Constituição da República Portuguesa”.

Para o jurista, essa “retroactividade” da declaração do estado de emergência viola a Constituição da República Portuguesa, por considerar que “algumas dessas medidas podem ter sido tomadas por órgãos incompetentes para o efeito”, em particular as aprovadas pelo Governo Regional da Região Autónoma da Madeira.

“Não parece claro que ocorra a retroprojecção”, ou seja, a retroactividade, responde a provedora, sustentando não ser “viável suscitar a intervenção do Tribunal Constitucional [TC] pré-determinando certa interpretação, com exclusão de outra igualmente possível”. Seja como for, lembra que “esgotados os efeitos anteriormente produzidos”, “qualquer justiciabilidade dos mesmos exigiria a intervenção de um tribunal”, pelo que descarta o recurso ao TC.

Apesar de não ter visto aceite o seu pedido, Rui Costa elogia a “prontidão” da resposta da provedora, logo no dia seguinte, “o que não deixa de ser revelador do papel indispensável da Provedoria de Justiça à preservação do Estado de Direito Democrático, especialmente em estado de excepção”. Agora, espera ter mais sorte junto da Procuradoria-Geral da República, à qual recorreu nos mesmos moldes e da qual aguarda resposta.

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