Fechados em casa e na rua todos os dias

Em tempo de pandemia e estado de emergência, a informação é considerada um bem essencial. Por isso, quem a faz não pode parar. A partir de casa ou na rua, em reportagem, dezenas de jornalistas trabalham todos os dias para que um noticiário fidedigno continue a fluir. Eis uma amostra do trabalho da última semana dos fotojornalistas do PÚBLICO, que saíram de casa todos os dias para nos mostrarem as mudanças que as notícias anunciam.

Foto
Miguel Manso

Já é uma espécie de piada. De cada vez que me perguntam “estás a trabalhar em casa?”, respondo com um “estou, quando não vou para Felgueiras, Lousada ou Ovar.” É só uma espécie de piada, porque é verdade.

Estamos, aqui no PÚBLICO, a fazer o mesmo que a maioria dos portugueses — fechados em casa, a trabalhar à distância, sem nos vermos uns aos outros, sem o barulho da redacção, sem a troca de conversas numa pausa para um café que, às vezes, são a origem de mais uma ideia para uma reportagem. Só que não estamos sempre, porque quando é preciso ir para a rua, vamos.

Fui para Felgueiras e Lousada na segunda-feira em que as duas localidades encerraram todas as escolas e muitos serviços, antecipando-se ao que aconteceria, dias depois, em todo o país. Fui para Ovar no dia em que se soube que iria ser decretado o estado de calamidade no concelho e criado um cordão sanitário em torno da zona.

Em todos estes locais, não encontrei pânico, nem raiva. Havia uma calma palpável nas pessoas, o receio nos olhos de muitos e a incerteza sobre o que aí vinha em todos. As pessoas com quem falei mostraram compreensão pelas medidas radicais e inéditas que lhes estavam a pedir, e prometiam cumpri-las, mesmo que isso significasse uma mudança demasiado drástica para abarcarmos todo o seu significado.

Saí das duas reportagens com a certeza (tanta quanto nos é permitida) que nunca estivera em risco. Não tocara em nada nem em ninguém, mantivera sempre a distância de segurança. Ninguém espirrou ou cuspiu na minha direcção. Eu vim tranquila, mais tranquila do que estavam os familiares e amigos com a minha incursão em territórios que, neste momento, são sinónimo de medo para grande parte das pessoas.

Foto
Hospital de Santo António, Porto Nelson Garrido

Fechados em casa, nestes tempos estranhos em que a janela parece ser todo o nosso horizonte, e a tentar escapar às mensagens alarmistas e mentirosas que circulam em tantos lados, podemos, às vezes, cair na tentação de acreditar que o pânico tomou conta de nós. Que estamos todos sozinhos e não vamos conseguir sair disto. Mas isso não é verdade.

A verdade é que a maioria das pessoas está a fazer o seu melhor para cumprir o que nos pedem num esforço para nos mantermos, e aos nossos, em segurança. E isso só é visível para quem está fechado em casa se pudermos continuar a ver para lá da nossa janela.

Agora, mais do que nunca, é importante que não percamos a noção do que se passa além do curto horizonte que nos impusemos. Que nós o continuemos a contar, em palavras e imagens. Por isso, os nossos fotojornalistas têm saído para a rua todos os dias. Foram comigo para Lousada, Felgueiras e Ovar, mas foram, e continuam a ir, para muitos outros sítios. Todos os dias saem de casa para nos mostrarem as mudanças que as notícias anunciam.

Foto
Mercado de Benfica, Lisboa Rui Gaudêncio

Mostram-nos ruas vazias, esplanadas arrumadas, pessoas de máscara e luvas nas mais básicas tarefas do dia-a-dia, manhãs e tardes de sol sem gente que o aproveite. Mostram-nos as barreiras que nos cortam o acesso à fronteira, ao amigo que vive noutra cidade. A proibição de irmos onde sempre nos deixaram entrar, onde queríamos que todos, de todo o mundo, fossem. Mostram-nos o rosto da emergência das tendas que se preparam para acolher os doentes, quando, e se, os hospitais já não conseguirem responder. E o mercado. Mostram-nos o mercado que, apesar de tudo, apesar de novas roupagens e máscaras e luvas, continua a funcionar. E até nos mostram abraços, nestes tempos em que a palavra soa a proibição.

É muito fácil em dias como estes pensarmos que estamos sozinhos, esquecermo-nos que as ondas continuam a rebentar no mar e que a Natureza continua a transformar-se, acomodando-se à Primavera que já chegou e preparando o Verão, que soa a esperança.

E por isso é imprescindível continuarmos a ver, todos os dias, o que acontece lá fora. O vazio dos espaços abertos, que é só o testemunho de nosso esforço para nos mantermos isolados, e a vida que, apesar de tudo, continua. Como vai continuar, quando a presença do vírus já não for sinónimo de impotência e as ruas se voltarem a encher outra vez. E também aí, como sempre, teremos estas imagens para mostrar.

Barreiras de cimento erguidas na fronteira alentejana que liga São Marcos (Portugal) e Paymogo (Espanha) Miguel Manso
Hospital de Santo António, Porto Nelson Garrido
Cordão sanitário de Ovar Adriano Miranda
Rua dos Clérigos, Porto Nelson Garrido
Cais das Colunas, Lisboa Daniel Rocha
Aeroporto Sá carneiro, Porto Manuel Roberto
Praça do Comércio, Lisboa Daniel Rocha
Hospital de Santa Maria, Lisboa Nuno Ferreira Santos
Paragem de autocarro junto da Estação de São Bento, Porto Paulo Pimenta
Mercado de Benfica, Lisboa Rui Gaudêncio
Terminal Fluvial do Barreiro Miguel Manso
Desinfecção no Metro de Lisboa Miguel Manso
Rua das Flores, Porto Paulo Pimenta
Aveiro Adriano Miranda
Hospital de Santo António, Porto Nelson Garrido
Pastelaria Golo, Benfica Nuno Ferreira Santos
Praça do Comércio, Lisboa Daniel Rocha
Reencontro entre pai e filho na fronteira entre Caia e Badajoz Miguel Manso
Lisboa Nuno Ferreira Santos
Teste de rastreio do coronavírus no Queimódromo do Porto Tiago Lopes
Mercado de Benfica, Lisboa Rui Gaudêncio
Marginal de Leça da Palmeira Paulo Pimenta
Mercado de Benfica, Lisboa Rui Gaudêncio
Farmácia dos Clérigos, Porto Paulo Pimenta
Porto Tiago Lopes
Aveiro Adriano Miranda
Porto Tiago Lopes
Lisboa Rui Gaudêncio
Fotogaleria
Barreiras de cimento erguidas na fronteira alentejana que liga São Marcos (Portugal) e Paymogo (Espanha) Miguel Manso
Sugerir correcção
Comentar