Pavilhões desportivos e escolas transformam-se em hospitais de campanha

A medida está a ser adoptada ou pensada por vários municípios. Torres Vedras foi um dos primeiros municípios a avançar em concreto com a medida.

Os hospitais propostos pelas autarquias devem substituir ou complementar os que já foram montados em tendas em Lisboa e no Porto
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Os hospitais propostos pelas autarquias devem substituir ou complementar os que já foram montados em tendas em Lisboa e no Porto Nuno Ferreira Santos
Os hospitais propostos pelas autarquias devem substituir ou complementar os que já foram montados em tendas em Lisboa e no Porto
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Os hospitais propostos pelas autarquias devem substituir ou complementar os que já foram montados em tendas em Lisboa e no Porto Adriano Miranda

E, de repente, em vez de bolas a ressoar no chão e miúdos a correr nos corredores, vários pavilhões desportivos e escolas do país estão prontos ou preparam-se para funcionarem como uma espécie de hospitais de campanha em caso de necessidade. A medida está a ser adoptada ou pensada por vários municípios, que querem estar preparados com todos os meios disponíveis no caso de a covid-19 continuar a afectar cada vez mais portugueses e os hospitais deixarem de ter capacidade para acolher todos.

Torres Vedras foi um dos primeiros municípios a avançar em concreto com a medida. No sábado, depois de uma reunião com os hospitais do concelho e em articulação com o delegado de saúde do Agrupamento dos Centros de Saúde (ACES) Oeste Sul, a Protecção Civil local anunciou, entre as medidas decididas, que iria converter os pavilhões do Sporting Clube de Torres e do Externato Penafirme em hospitais de campanha. Cada um tem capacidade para 30 camas, mas a medida poderá não ficar por aqui. “Se for preciso, será replicada noutros recintos”, informava o comunicado. Por enquanto, as camas estão montadas, mas ainda sem uso.

A decisão foi tomada sem que, até à data, se registe qualquer caso confirmado de infecção pelo novo coronavírus no concelho, frisa ao PÚBLICO, em resposta escrita, a assessoria de imprensa da Câmara de Torres Vedras, mas em que a convicção geral dos responsáveis presentes naquela reunião é de que “o impacto do surto na comunidade irá afectar a capacidade de resposta dos hospitais existentes”. 

Para que ninguém fique sem resposta, as medidas apresentadas no fim-de-semana incluem também a possibilidade de a Pousada da Juventude de Santa Cruz passar a funcionar como “um hospital temporário de retaguarda”, libertando o Hospital de Torres Vedras para casos mais urgentes.

As medidas resultam da activação do plano de emergência do concelho e foram tomadas em articulação com outros municípios da região, alguns dos quais, como a Lourinhã, também já anunciaram decisões no mesmo sentido. Num comunicado da passada segunda-feira, a câmara local anunciou que o plano de emergência em vigor tem definida “a possibilidade de utilização de pavilhões e recintos das associações do concelho, para serviço de retaguarda e suporte logístico na resposta à situação pandémica” e que já articulou “a disponibilidade imediata de 45 camas na ‘Casa Oeste’, freguesia de Ribamar, para doentes menos graves, sendo este procedimento replicado por recintos semelhantes, caso venha a surgir essa necessidade”.

Em Vila Nova de Gaia, o presidente Eduardo Vítor Rodrigues diz que três pavilhões desportivos do concelho - o da Lavandeira, de Vila d’Este e o das Pedras - deverão ser equipados e transformados nos próximos dias em “espaços permanentes de doentes de transição do Hospital de Gaia”. Os três espaços poderão acolher cerca de 200 doentes, caso seja necessário, explica o autarca. “São locais que estão encerrados à prática desportiva e podem ser colocados ao serviço de pessoas que, não estando em isolamento, estão em processo de tratamento. Os hospitais começam a não ter capacidade para receber pessoas e quanto menos tiverem alternativas, mais vão começar a usar camas que são utilizadas noutras especialidades e doenças. O pior que podia acontecer, a propósito do excesso de pacientes com a covid-19 era passarmos a ter menos capacidade de resposta noutras especialidades, como obstetrícia”, diz.

Fornecimento de refeições

Além da cedência dos pavilhões, que deverão ser equipados pelo próprio hospital e segundo as suas orientações (embora o município se disponibilize para pagar a aquisição de qualquer material necessário), a câmara compromete-se a fornecer também as refeições que venham a ser servidas nestes locais, e que serão provenientes da cozinha e respectivo pessoal do Centro de Alto Rendimento do município. E também este espaço está já a viver dias bem diferentes daqueles que costuma ter. Em vez de albergar desportistas que se deslocam a Gaia, é agora a casa de bombeiros do concelho, que “a trabalhar em turnos de 24 horas, dormem e fazem ali as suas refeições”, acrescenta o autarca. E há quartos reservados, “para a eventualidade de alguém se sentir indisposto e não querer ir para casa com medo de contaminar alguém”, diz o socialista.

Até a crise passar, também a Hospedaria do Parque Biológico está destinada ao combate à covid-19. Neste caso, ficará à disposição de médicos que prefiram não ir para casa. Por enquanto, diz o autarca de Gaia, o espaço ainda não está a ser usado, “porque os médicos ainda têm resposta nos hospitais”.

Numa altura em que as medidas anunciadas pelos municípios e pelo Governo são actualizadas constantemente, é muito provável que nos próximos dias haja mais municípios a avançar com decisões semelhantes. Esta quarta-feira, o município de Sobral de Monte Agraço anunciou “a montagem de uma enfermaria de contenção com cerca de 30 camas no pavilhão da Escola Básica de Sobral de Monte Agraço e Santo Quintino, com acesso a três balneários e um espaço isolado de apoio a técnicos de saúde”. A medida, explica-se em comunicado, “permite assegurar serviços de retaguarda e suporte logístico à situação pandémica que, actualmente, vivemos”.

No Porto, o presidente Rui Moreira afirmou, durante uma visita ao novo centro de rastreios instalado no Queimódromo, que a possibilidade de instalar hospitais de campanha na cidade não está posta de parte e que até já sabe onde o fará, caso se conclua pela sua necessidade. “Tudo o que fazemos é em coordenação com as administrações dos hospitais, a Câmara do Porto não tem competência nem deve montar hospitais. Mas haverá espaços se for preciso. Já identificamos, nomeadamente, um grande espaço disponível”, disse, sem querer adiantar a que local se referia.

Mil camas em Cascais

Em Cascais, conforme o presidente da câmara, Carlos Carreiras, já disse ao PÚBLICO, a câmara também está a preparar locais onde as pessoas com resultados positivos possam ficar isoladas, caso a epidemia cresça muito acima dos números actuais. O autarca diz que o concelho tem “uma capacidade máxima de mil camas, entre equipamentos sociais e desportivos”. 

E o mais provável é que também Lisboa se prepare para uma situação idêntica. 

O PÚBLICO tentou saber junto da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil (ANEPC) e também junto da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) se possuíam dados compilados sobre este tipo de medidas nas diferentes autarquias nacionais, mas em ambos os casos a resposta foi negativa. 

Mas, à semelhança do que já acontece há vários dias com a disponibilização de vários espaços para acolher o pessoal hospitalar que não possa ir a casa, é provável que mais possíveis hospitais de campanha venham a ser anunciados. E não só por iniciativas de autarquias. Ainda esta quarta-feira, o Sporting Clube de Portugal fez saber que tinha à disposição do Governo o pavilhão João Rocha e o relvado sintético junto a este recinto em Lisboa, para a instalação de hospitais de campanha, caso se torne necessário.

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