Morreu Eduard Limonov, o Jack London russo

Exilado nos Estados Unidos e em Paris nos anos 1970/80, a sua vida aventurosa inspirou o escritor francês Emmanuel Carrère a fazer dele personagem de um romance.

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Sergei Karpukhin/Reuters

O escritor e político russo Eduard Limonov morreu esta terça-feira em Moscovo, divulgou em comunicado o Outra Rússia, coligação de partidos de oposição por ele fundada. O autor de História de um Poeta Mordomo, editado em Portugal em 1991 pela editora Difel, tinha 77 anos. Nele contava a história de um poeta russo, Eduard, que em Nova Iorque trabalha como mordomo para Steven Grey, milionário que se intitula Gatsby, o Magnífico.

Segundo a sua ex-mulher, Ekaterina Volkov​, citada pela imprensa russa, estava hospitalizado na sequência do agravamento de uma doença oncológica. O jornal italiano La Repubblica acrescenta que na sexta-feira o escritor tinha avisado no seu Facebook que assinara um contrato com uma editora para a publicação de um novo livro já escrito. Será agora editado postumamente. 

Nos anos 1970, o escritor cujo verdadeiro nome era Eduard Savenko esteve exilado nos Estados Unidos e nos anos 1980 viveu em Paris. Depois da queda da União Soviética, na década de 1990, regressou à Rússia e fundou o Partido Nacional Bolchevique, organização nunca oficialmente autorizada que esteve activa entre 1993 e 2007. Mais tarde, lançaria o Outra Rússia, movimento que viria a federar a oposição a Vladimir Putin, cobrindo um vasto espectro de movimentos políticos da esquerda à direita.

O escritor francês Emmanuel Carrère fez dele personagem do seu romance Limonov (Sextante Editora, 2012) descrevendo-o assim na contracapa do livro: “Limonov não é uma personagem de ficção. Ele existe. Eu conheço-o. Foi um marginal na Ucrânia; ídolo do underground soviético na era Brejnev; sem-abrigo e depois criado de quarto de um milionário em Manhattan; escritor de vanguarda em Paris; soldado perdido na guerra dos Balcãs; e hoje, no imenso bordel do pós-comunismo na Rússia, velho chefe carismático de um partido de jovens em fúria. Vê-se a si próprio como um herói, mas podemos considerá-lo um bandido: por mim, deixo o julgamento em suspenso. É uma vida perigosa, ambígua: um verdadeiro romance de aventuras. É também, creio, uma vida que conta qualquer coisa.”

Começou por escrever poesia, criou revistas literárias e publicou inúmeros romances. A sua obra mais conhecida, It’s Me, Eddiepassa-se nos Estados Unidos, acompanhando a viagem de um poeta russo ao bas-fonds de Nova Iorque, com todas as aventuras possíveis, incluindo, a descoberta da homossexualidade (relatam-se, por exemplo, encontros sexuais com sem-abrigo). Recusada pelos editores norte-americanos, foi editada primeiro em França, em 1979, com o título Le poète russe préfère les grands nègres. São memórias ficcionadas de um imigrante em Nova Iorque: duro, sexual e obsceno como ele.

Mais tarde, em 1991, quando foi publicado na Rússia, o livro foi um grande sucesso no país. Sobre esta obra e a sua vida em Paris, Emmanuel Carrère escreve em Limonov : “Era qualquer coisa impressionante, esse livro, e o seu autor, quando nos cruzávamos com ele, não decepcionava. (...) Tinha uma certa frescura, essa dissidência, e, quando chegou, Limonov foi a coqueluche da cena literária parisiense (...). Não era um autor de ficção, só sabia contar a sua vida, mas a sua vida era apaixonante e ele contava-a bem, num estilo simples, concreto, sem rodriguinhos literários, com a energia de um Jack London russo.” Limonov, argumenta o escritor francês que dele se ocupou, é sempre melhor quando é autobiográfico, porque a sua autenticidade visceral dá-lhe a qualidade que lhe falta na ficção. 

Numa entrevista ao PÚBLICO em 2012, Emmanuel Carrère contou que, enquanto escrevia este livro, houve dias em que detestou Limonov e outros em que receou, ao contar a sua vida, enganar-se redondamente. Incomodaram-no sobretudo “as aventuras guerreiras deste russo ao lado das tropas sérvias, avançando pela Krajina com os paramilitares de Arkan, o criminoso de guerra que Limonov adorava e de cuja amizade sentia orgulho”. Mais recentemente, em 2014, como lembra a AFP, Eduard Limonov apoiou a anexação da península ucraniana da Crimeia por Moscovo.

No seu livro, Emmanuel Carrère escreve que a determinada altura Limonov se interrogou “se haveria no mundo muitos outros homens para além dele cuja experiência incluísse universos tão variados como o de preso de delito comum num campo de trabalho forçado junto ao Volga e o de escritor na moda, a mover-se num décor de Philippe Starck”. “Não, concluiu ele, retirando daí um orgulho que eu compreendo, e que foi justamente o que me motivou a escrever este livro”, explicava na mesma entrevista ao PÚBLICO.

Limonov casou-se quatro vezes: com a artista Anna Rubinstein, com Elena Shchapova, com a poeta e cantora  Natalia Medvedeva e com a actriz  Ekaterina Volkova, de quem tem dois filhos, Bogdan e Alexandra. com António Rodrigues

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