O "Tigre" sabia de mais

Arkan não foi chorado, mas quase todos lamentaram a sua morte. Porque morreu sem ir ao tribunal ou sem sofrer o que podia. Não se sabe quem o matou. Mas quem sabe muito pode contar. A oposição fala de terrorismo de Estado na Sérvia de Milosevic.

O assassínio de um dos mais temidos e famosos chefes paramilitares dos Balcãs, Zeljko Raznatovic, conhecido por Arkan, foi acolhido com inquietação e consternação dentro e fora da Sérvia, apesar de poucos chorarem o temível senhor da guerra sérvio. Para os seus inimigos e vítimas, perdeu-se a oportunidade de fazer justiça. Para a oposição em Belgrado, a eliminação do "comandante" é mais uma prova inquietante da existência de terrorismo de Estado na Jugoslávia. Um juiz do tribunal de instrução de Belgrado confirmou ontem laconicamente a morte de Arkan, 1h45 minutos após ter sido baleado na entrada do hotel Intercontinental. No tiroteio, ocorrido cerca das 17h00 de sábado, foram também atingidos Milenko Mandic, um dos guarda-costas de Arkan, e Dragan Garic, identificado como um antigo polícia.Arkan, 47 anos, fundou em 1991 os Tigres Sérvios, uma unidade paramilitar com uma fama terrível, que esteve "na linha da frente da limpeza étnica na Bósnia e no Kosovo", como lembrou o chefe da diplomacia britânica, Robin Cook. "Lamento a sua morte apenas porque nos impede de fazer justiça perante as vítimas das suas atrocidades colocando-o na barra de um tribunal". Madeleine Albright, secretária de Estado norte-americana, reagiu no mesmo tom. "Os EUA não retiram nenhuma satisfação do assassínio de Arkan".Em Sarajevo, o chefe da comissão de justiça bósnia para crimes de guerra declarou que "não se fez justiça" e que, de qualquer modo, "Arkan teve o que merecia". Mais duro foi o comentário do diplomata norte-americano Jacques Klein, chefe da missão da ONU na Bósnia: "Para mim, chorar por Arkan é como chorar por [Adolf] Eichmann" (criminoso de guerra nazi). "Acho que não se pode verter lágrimas por um assassino psicopata". No Kosovo, houve quem não reprimisse a alegria pelo desaparecimento de "um monstro", e um jornalista do "Koha Ditore" explicou que em Pristina se lamentava "apenas que a morte dele não tivesse sido tão dolorosa como podia".A imprensa independente de Belgrado considerou que a eliminação de um personagem como Arkan, que se movimentava no meio dos negócios e da política jugoslava, com alegadas ligações ao mundo do crime, "foi minuciosamente preparada".Para o principal partido da oposição, o SPO, de Vuk Draskovic, o crime "é uma nova confirmação de que vivemos num país de terrorismo de Estado. Estas eliminações brutais pretendem lançar o medo e a insegurança geral entre os cidadãos". Draskovic insiste que foi vítima de uma tentativa de assassínio em Outubro do ano passado, orquestrada pelo regime do Presidente Milosevic.Zarko Korac, coordenador de outra coligação, a SDP, achou "significativo" que "pessoas que tiveram um papel importante nas guerras [da ex-Jugoslávia] desapareçam em crimes organizados profissionalmente". Também Goran Svilanovic, da coligação GSS, fez a leitura mais comum em Belgrado: "Alguém que sabia de mais e que entrou em muitas coisas foi morto".A polícia não dispunha ontem de nenhuma explicação para o crime e na capital circulavam pelo menos três versões diferentes sobre a forma como aconteceu o tiroteio. Segundo a mais verosímil, um só agressor mascarado irrompeu pelo "lobby" do Intercontinental e abriu fogo com uma pistola automática, provocando o pânico na sala, com muitos clientes a deitarem-se ao chão. O atacante terá sido ferido no tiroteio, porque deixou um rasto de sangue até à saída, onde entrou numa viatura estacionada, conseguindo pôr-se em fuga. Depois do crime, a polícia selou o Intercontinental."O assassínio de Arkan é uma surpresa, apesar de ele ter sido ameaçado", afirmou à AFP um analista jugoslavo, antigo responsável da Interpol, Budimir Babovic. Há várias pistas para o crime, mas todas são plausíveis, uma vez que havia "uma longa lista de candidatos" à eliminação de Arkan. "É difícil dizer de que género de ajuste de contas se tratou. Não posso excluir nenhum", acrescentou Babovic.Arkan era procurado em sete países europeus por roubos à mão armada e extorsão, e havia um mandado da Interpol em seu nome, relacionado com a carreira de assaltante de bancos que Zeljko Raznatovic levou durante 16 anos na Europa Ocidental. Arkan era também, desde 1997, procurado pelo Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia, de Haia, que o acusou de crimes de guerra cometidos na Croácia e na Bósnia entre 199 1 e 1995 (Arkan começou por actuar na Eslavónia Oriental).Segundo um analista jugoslavo, citado sob anonimato pela AFP, o assassínio de Arkan "só podia ter sido cometido por um profissional, de onde quer que tenha vindo". Mas "quem carregou no gatilho não é importante. O que conta, é quem está por trás do crime". Budimir Babovic salientou que "a julgar pela experiência dos últimos anos, diria que o crime nunca será esclarecido".

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