Os idosos e o coronavírus: “Não tenho medo de morrer, mas isto deixa-me amargurada”

O isolamento recomendado aos idosos, que se encontram no grupo de risco da covid-19, pode ajudar a protegê-los do novo coronavírus, mas acarreta outros perigos potenciais, como medo e ansiedade. A Ordem dos Psicólogos já divulgou um conjunto de recomendações para ajudar a lidar com as restrições trazidas pelo novo coronavírus.

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A recomendação das autoridades é para que os idosos limitem o contacto com as outras pessoas, para evitarem o contágio, já que são um grupo de risco Paulo Pimenta

Rosário Quaresma, de 76 anos, vive sozinha, mas está habituada a sair todos os dias. Vai tratar de recados, vai ao café com as amigas, às vezes ao cinema ou almoçar fora. E à cabeleireira. Só que, desde o início desta semana, que a moradora de Coimbra já não vai a nenhum destes sítios e está fechada em casa. A recomendação partiu dos filhos, médicos, que a aconselharam ao isolamento profiláctico, depois de ter saído de um evento com uma dor de garganta. A perspectiva de passar as próximas semanas sozinha deixa-a desolada. “Não sei como vou fazer. Gosto de sair e vou ficar aqui não sei como”, diz.

Com a idade avançada a ser apontada como um dos factores de risco para a covid-19, o caso de Rosário está longe de ser único. E nem a perspectiva de ter os netos por perto, agora que as escolas vão encerrar, pode consolá-los, porque a indicação é, precisamente, para que as crianças não vão para junto dos avós, já que, mesmo assintomáticas, elas podem transmitir o vírus que está a espalhar a covid-19 pelo mundo.

Isso mesmo levou a presidente da Associação de Aposentados Pensionistas e Reformados (Apre!) a decidir que os netos de 5 e 8 anos terão de ficar com um dos pais nas semanas que se avizinham. “Fico cheia de pena, vamos estar mesmo sem nos vermos durante quinze dias, mas temos de nos precaver e acho que esta é a medida mais razoável. Para protecção deles e nossa, os meninos não devem ficar connosco”, diz Rosário Gama, de 71 anos.

A Apre! cancelou todas as actividades que estavam previstas para os próximos tempos, e apesar de se dizer preocupada com o que considera ser ainda “algum facilitismo” de pessoas que não estão a cumprir o isolamento social recomendado pelas autoridades de saúde, Rosário Gama diz que quem está a cumprir as normas também enfrenta outros riscos. “Para as pessoas mais isoladas isto pode ser um grande drama. Até por causa do medo. Não sou uma pessoa com medo e neste momento tenho-o. Acho que ao mínimo sinal, uma ponta de febre, uma tosse, as pessoas ficam em pânico e é uma situação de grande stress”, diz.

Isolado, mas não sozinho

Consciente desta realidade, a Ordem dos Psicólogos emitiu esta sexta-feira um conjunto de recomendações sobre como lidar com o isolamento social da população mais idosa (e também para as famílias com crianças). Começando por explicar que o isolamento “contribui para conter a propagação do vírus”, os psicólogos apelam a que as pessoas mais velhas se mantenham informadas e compreendam os riscos e que peçam ajuda para que nada lhes falte que ajude ao seu conforto (seja alimentos, roupa ou medicamentos). Os conselhos passam para que não se descuide a medicação habitual e para que haja uma atenção especial a quaisquer sintomas de doença.

Além disso, deve ser mantido o contacto com familiares e amigos, seja pela Internet ou pelo telefone, é preciso fazer exercício (nem que seja caminhar no interior de casa) e fazer os possíveis para estar relaxado (assistindo aos programas televisivos de que mais gosta, por exemplo). E nada de fugir à rotina habitual de se levantar da cama, vestir-se e fazer todas as refeições. O último conselho é “mantenha-se esperança e confiante de que tudo vai correr bem”.

Sem saber ainda quanto tempo deverá permanecer em casa (os filhos preferiram dizer-lhe para irem avaliando, com o evoluir da situação), Rosário Quaresma admite que o processo está a ser custoso. Ajuda-a viver num 5.º piso, “com umas vistas privilegiadas, que fazem muita companhia”, mas não sabe se será suficiente. Saiu há pouco tempo de uma depressão e as últimas notícias parecem-lhe demasiado assustadoras. “Estive a ver a conferência de imprensa do Conselho de Ministros até às 2h e parecia um filme de ficção. Deixou-me tão amargurada que parece que já sentia os sintomas da velhice”, lamenta-se, antes de dizer: “Não tenho medo de morrer, mas isto deixa-me amargurada. Ontem à noite não se via um único carro na rua lá em baixo. É um sentimento que nem sei explicar. Mas sou uma lutadora e vou tentar aguentar-me”, diz.

Para a ajudar e a todos os que possam estar a experienciar a mesma angústia e receios – recomenda a Ordem dos Psicólogos –, a família deve estar presente o mais possível, mesmo que não seja fisicamente. Não deixar de telefonar ou de utilizar outros meios de contacto pela Internet, incentivar amigos e familiares a manterem-se também em contacto, não deixar de manter o idoso informado e agradecer-lhe pelo que está a fazer, lembrando-o da importância deste sacrifício.

No caso dos lares de idosos, onde as visitas também estão limitadas por recomendação das autoridades, a Ordem conta entre as suas recomendações com o reforço de actividades, que ajudem a passar o tempo. No Lar Graça de S. Filipe, em Bencanta, Coimbra, desde esta sexta-feira que as visitas não são permitidas. Com 66 utentes e uma média de idades a rondar os 90 anos, a directora da instituição particular de solidariedade social, Maria do Carmo Carvalho, diz que, para já, as restrições impostas estão a ser bem aceites. “Falamos com os utentes, sensibilizamo-los, sem alarmar. A maioria deles ouve as notícias, tem televisão no quarto, e está informado. Começamos por reduzir o número e horário das visitas e neste momento já não há mesmo visitas, suspendemos ontem [quinta-feira]. Eles também já não vão para o exterior, mas estamos instalados numa quinta e circulam aqui dentro. Explicamos que estamos a lutar contra um inimigo invisível e que assim estão protegidos e aceitaram muito bem, estão muito receptivos”, garante.

Com o isolamento, em muitos casos, ainda a começar, é provável que os próximos dias se tornem mais complicados. Angústia, preocupação, incerteza, aborrecimento, tristeza ou falta de esperança são os sentimentos que podem ser esperados, não só por quem está isolado, mas por todos os que têm algum familiar ou amigo sujeitos a maior risco. E depois de tudo passar, também é expectável que o regresso à normalidade não esteja livre de alguns problemas, com algumas pessoas a poderem ter de lidar com um misto de tristeza, raiva e alívio, alerta a Ordem. De novo, a melhor recomendação é procurar ajuda. Mesmo isolado, não fique sozinho.

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