O jogo sobre as PPP e a conversa que Costa nunca teve

As relações entre a maioria PS e os antigos parceiros da “geringonça” estão mais frágeis do que pensamos?

1. Todas as quintas-feiras, o Conselho de Ministros reúne-se em Lisboa e há uma conferência de imprensa ao fim da manhã para dar conta das deliberações aprovadas nessa reunião. O dia 13 de Fevereiro foi uma dessas quintas-feiras. A ministra da PresidênciaMariana Vieira da Silva, anunciou que haviam sido “tomadas três decisões sobre três PPP na área da saúde”. Leu as mesmas frases que constam do comunicado divulgado nesse dia: “a internalização” do Hospital de Vila Franca de Xira; o “lançamento” de novo concurso para manutenção do regime de PPP no Hospital de Cascais; e a “designação” da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo como representante do Estado no litígio com a gestora do Hospital de Loures no que diz respeito a encargos sobre VIH/SIDA.

Sobre a PPP no Hospital de Loures, foi apenas isto que ficámos a saber nesse dia. Presentes também na conferência de imprensa, nem o secretário de Estado-adjunto e das Finanças, Mourinho Félix, nem a secretária de Estado-adjunta e da Saúde, Jamila Madeira, acrescentaram qualquer informação sobre a gestão do Hospital de Loures. Nesse dia, era assim anunciado o destino de Cascais e mantido o tabu sobre a PPP em Loures. O Governo tinha dito no mês anterior que não iria renovar o contrato com o Grupo Luz Saúde em Loures mas ainda não tinha levantado o véu sobre se, a seguir, pretendia abrir concurso para outra PPP (em que até poderia ganhar a mesma empresa) ou se iria reverter a gestão do hospital para o sector público, como fez com o de Vila Franca de Xira.

Na quinta-feira seguinte, a última frase do comunicado do Conselho de Ministros dizia apenas de forma quase cifrada: “Foi aprovada em versão final a resolução relativa às parcerias público-privadas aprovada na reunião de Conselho de Ministros de 13 de Fevereiro de 2020”. Nada mais foi adiantado. Aliás, nesse dia nem se realizou a habitual conferência de imprensa.

Só 19 dias depois, porém, se percebe o que foi efectivamente decidido. Na última terça-feira, foi publicada em Diário da República (na I Série, ao contrário do que faziam os governos anteriores) a “Resolução do Conselho de Ministros que aprova várias medidas em matéria de gestão dos Hospitais de Cascais, de Loures, de Vila Franca de Xira e de Braga”. E assim ficámos a saber finalmente que o Governo decidiu, afinal, aprovar as medidas necessárias para o lançamento de novo concurso para uma PPP no Hospital de Loures. A equipa técnica que avaliou parceria, composta por elementos dos ministérios das Finanças e da Saúde, concluiu que “existe um claro value for money”. 

Para quê tantas pinças e tanto secretismo? Para que não se desse conta imediatamente da decisão e se deixasse instalar a ideia que o Governo está “de peito feito” em relação aos privados? Ou porque as relações entre a maioria PS e os antigos parceiros da “geringonça" estão mais frágeis do que pensamos?

“Todo este jogo para ganhar durante um dia uma atenção comunicacional que conforta os corações de esquerda para depois lançar um concurso para confortar as carteiras de direita é uma forma de gerir as coisas públicas muito pouco condizente com o que deve ser a coerência na acção pública”. A frase é de Francisco Louçã, numa recente entrevista ao PÚBLICO, a 30 de Janeiro, a propósito das PPP, numa altura em que não se sabia bem o que ia acontecer e parece-me que pode ajudar a explicar a estranheza do que veio a seguir e que teve esta semana o seu desfecho.

2. Em 2015, quando o actual Governo herdou do anterior a decisão de construção de um novo aeroporto no Montijo, já era conhecida a feroz oposição dos autarcas da CDU do Seixal e da Moita - duas das autarquias que têm o poder de vetar essa construção. As críticas não são apenas dos autarcas da CDU mas do próprio Comité Central do PCP e, em 2017, motivaram até o pedido do grupo parlamentar do PCP de ouvir o então ministro Pedro Marques bem como o seu antecessor, do PSD.

Enquanto isso, o Governo deixou que todo o caminho até ao Montijo se desenrolasse até agora bater numa parede. Ao longo de mais de quatro anos, este dossiê nunca foi debatido entre António Costa e Jerónimo de Sousa? 

Hoje é um dia de muitas interrogações.

 
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