O CDS a espantar os seus fantasmas

De uma direita mais conservadora ou até ligeiramente ultramontana até um partido com dirigentes prontos para fazer a apologia de Salazar e do salazarismo, capazes de tecer loas à PIDE e de revelar apreço pelo discurso anti-semita vai uma grande distância.

O cidadão Abel Matos Santos apenas precisou de um pouco de despudor e de uma dose elevada de ignorância para dizer que António de Oliveira Salazar foi “um dos maiores portugueses de sempre”, que a PIDE “era uma das melhores polícias do mundo” ou que Aristides Sousa Mendes foi uma espécie de “agiota de judeus”. Mas um partido que se reclama herdeiro dos pergaminhos democráticos como o CDS não pode andar de face erguida a exibir o mesmo despudor e a mesma ignorância. Um cidadão como Abel Matos Santos fazer parte da comissão executiva do CDS significava uma cedência do partido à extrema-direita e um atentado ao legado de homens como Lucas Pires ou Freitas do Amaral que um dia, tarde ou cedo, tinha de acabar. Menos de dez dias depois do congresso que o elegeu, essa cedência acabou. Matos Santos saiu ou foi empurrado do CDS – pouco importa.

Já aqui escrevemos que a deriva do CDS em direcção a uma direita mais musculada e assumida protagonizada por Francisco Rodrigues dos Santos abre portas a uma clarificação do espectro ideológico e político da democracia portuguesa que pode ter efeitos positivos na contenção da extrema-direita. Se no país vivemos bem com a esquerda pura e dura do Bloco ou do PCP, havemos de sobreviver sem danos a uma direita mais rude e musculada. Mas, de uma direita mais conservadora ou até ligeiramente ultramontana até um partido com dirigentes prontos para fazer a apologia de Salazar e do salazarismo, capazes de tecer loas à PIDE e de revelar apreço pelo discurso anti-semita vai uma grande distância.

O CDS demorou tempo de mais a reconhecer que o que estava em causa era bem mais do que “ataques políticos e pessoais” baseados em frases “descontextualizadas e distorcidas no seu significado”. Que pedidos de desculpas não bastavam. O que estava em causa era um confronto entre os seus pergaminhos democráticos e os fantasmas de uma direita salazarenta que persistem no país e nos corredores da sede do Caldas. Com Abel Matos Santos nas suas fileiras, o partido ficaria irremediavelmente perto do Chega e longe do CDS conservador mas europeu, apologista da nação sem cair no nacionalismo cego e doentio que leva alguns, como o próprio Matos Santos, a acreditar que “a guerra do Ultramar estava ganha”. O que aconteceu esta terça-feira foi, por isso, uma inevitabilidade. O novo líder do CDS errou ao não se aperceber do perigo da nomeação de Abel Matos Santos, mas lá acabou por acertar ao dar conta que a sua saída era irrevogável.

Sugerir correcção
Ler 10 comentários