Morreu Andy Gill, fundador dos Gang of Four

O guitarrista era o único membro da formação original da banda inglesa, nome fundamental do pós-punk.

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Andy Gill (à esquerda na fotografia) DR

Tensa, angular, dançante e esguia como o funk, bruta e insurrecta como o punk. A forma como tocava guitarra e a música que fez com os Gang of Four ajudaram a mudar o rosto da música popular: morreu Andy Gill, membro fundador da banda, instituição do pós-punk. Tinha 64 anos. A notícia foi confirmada pelos Gang of Four, em comunicado.

Segundo representantes do músico, citados pela publicação especializada Pitchfork, Andy Gill morreu este sábado devido a uma doença respiratória.

“A digressão final do Andy, em Novembro, foi a única forma como ele se poderia despedir; com uma [guitarra] Stratocaster ao pescoço, a gritar feedback e a ensurdecer a primeira fila”, dizem John Sterry, Thomas McNeice  e Tobias Humble, os outros membros do grupo. Gill era o único membro da formação original dos Gang of Four, produzindo ou co-produzindo todos os discos da formação.

Os Gang of Four foram fundados por Gill e Jon King no final dos anos 1970, depois da revolução do punk. Ambos estudavam artes na Universidade de Leeds, descrevendo-se como uma banda de rivvum & blues rápido. Havia ali pedaços de funk, de punk e da guitarra tratada como um serrote por Wilko Johnson (Dr Feelgood). Deram o primeiro concerto em Maio de 1977. O álbum de estreia do grupo, Entertainment!, lançado em 1979, é um dos registos mais importantes da história do rock. Era uma banda com um programa: “Nada de jams”, disse Gill ao jornalista Simon Reynolds no livro sobre o pós-punk Rip It Up and Start Again. “Tudo era pensado de antemão.”

“Fundindo James Brown e o hip-hop dos primeiros tempos com o minimalismo sucinto dos Ramones, os Gang of Four foram uma força revolucionária genuína na sua procura de justiça para a classe operária”, escreveu a Rolling Stone numa lista em que pôs Entertainment! como o quinto melhor álbum punk de sempre. Nele, havia também uma crítica marxista da sociedade e do quotidiano (do casamento ao próprio rock) e uma homenagem prática ao lema da anarquista Emma Goldman: se não puder dançar, esta não é a minha revolução.

Músicos como os Flea, dos Red Hot Chili Peppers (cujo primeiro álbum foi por ele produzido), e Kurt Cobain, dos Nirvana, disseram-se influenciados pelos Gang of Four. Nos anos 2000, foram uma das bandas mais influentes para a vaga de revivalismo pós-punk, ouvindo-se os seus ecos em grupos como os Rapture, Liars, Franz Ferdinand e os portugueses X-Wife. Voltariam à vida em 2004, depois de uma década de inactividade. No ano passado lançaram Happy Now e passaram pelo festival de Vilar de Mouros.

“Um dos melhores a fazê-la, a sua influência na música de guitarras e no processo criativo foi inspiradora para nós”, dizem os membros dos Gang of Four, “tal como para todos que trabalharam com ele e ouviram a sua música. E os seus álbuns e trabalho de produção falam por si. Ouçam-nos em sua honra…”

Anti-solos, anticalor

A música dos Gang of Four respondeu às condições socioeconómicas deterioradas do Reino Unido dos anos 1970 com um olhar influenciado pelo marxismo e pelo situacionismo.

“Em vez de solos de guitarra, tínhamos anti-solos, onde deixavas de tocar, onde deixavas um buraco”, contou Gill a Simon Reynolds. Em vez de amplificadores a válvulas, fetiches de músicos que procuravam um “som quente”, queriam amplificadores a transístores. Desejavam um som frio, seco, sem reverberações. “Os Gang of Four eram contra o calor”, disse Gill, em jeito de slogan.

Depois de Entertainment!, lançaram Solid Gold (1981), menos austero, e Songs of the Free (1982), com um apelo mais radiofónico (gerou um pequeno êxito, I love a man in uniform) e Hard (1983), onde se ouve caixa de ritmos e uns certos anos 1980 a instalarem-se em pleno. A primeira encarnação da banda acabou em 1984.

No ano passado, a propósito de Happy Now, Andy Gill afirmou que aquele disco era sobre “ansiedade”. Não esquecia temas como o Brexit, Donald Trump ou as políticas de direita na Europa, mas preocupava-o, sobretudo, a ansiedade como produto inevitável do mundo das redes sociais e das fake news. “Toda a gente parece carregar algum tipo de ansiedade consigo”, disse à revista Peek-a-boo.​

“A sua visão artística sem concessões e o seu compromisso à causa significou que ele estava ainda a ouvir misturas do próximo disco, ao mesmo tempo que planeava a próxima digressão, na cama do hospital”, refere a nota da banda. “Vamos sempre lembrá-lo pela sua bondade e generosidade, a sua inteligência destemida, as más piadas, as histórias loucas e chávenas infindáveis de chá Darjeeling. Acontece que ele também era um pouco um génio.”

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