A ponte da discórdia e o poder local

Esperamos que o bom senso e a humildade política venham ainda a prevalecer e travem o projecto da nova ponte rodoviária em Tavira.

Tavira é hoje reconhecida, por todos, como a cidade mais bem preservada do Algarve.

Tal virtude deve-se, mais do que a uma intervenção consciente e organizada do Poder, à convergência de um particular conjunto de circunstâncias. A riqueza agrícola, a impossibilidade de acesso directo ao mar e a ausência de indústrias poluentes explicam, no essencial, a sua preservação. A população, maioritariamente ligada à terra, por natureza conservadora resistiu à especulação imobiliária, não sendo tentada pelo turismo e optando por uma vida segura e pacata.

Enquanto as restantes cidades históricas como Lagos, irmã gémea do barlavento, iam sendo desfiguradas por não beneficiarem daqueles factores, Tavira manteve-se em hibernação, indiferente ao “progresso”.

Sucede, porém, que na última década Tavira tem vindo a ser procurada por cidadãos das mais variadas nacionalidades, maioritariamente da UE, que, reconhecendo os seus particulares predicados, aqui se refugiam para gozar de modo tranquilo o resto dos seus dias.

Estas gentes de nível económico e cultural apreciável têm vindo a preencher o vazio deixado pela emigração e envelhecimento da população local, tornando Tavira uma cidade diferente, mais viva, com maior massa critica e consciência cívica.

Esta alteração do tecido social foi-se operando insidiosamente com o governo locai ausente desta nova realidade, sem medidas para a sua melhor integração, nem políticas para o aproveitamento deste valioso capital humano, para além de uma maior arrecadação de taxas e impostos. Perante esta indiferença, os novos tavirenses, já apelidados por alguns despeitados de “respeitosos anciãos agora chegados”, têm vindo a juntar-se em torno de nacionalidades, práticas culturais e desportivas e outras afinidades, procurando assim uma mais profunda inserção.

Surpreendidos com o início dos trabalhos para a instalação de uma nova ponte rodoviária, com dez metros de largura, a “desaguar” no jardim do Coreto e sem estudo prévio para a requalificação da frente ribeirinha, muitos destes novos tavirenses manifestaram a sua discordância integrando-se no movimento “Por Tavira”, exigindo a suspensão da obra para a procura de uma melhor solução.

Sem argumentos substantivos para responder a esta onda de contestação apoiada em pareceres de ambientalistas, engenheiros civis e outros qualificados técnicos, onde pontificam Siza Vieira, Souto Moura e Carrilho da Graça, expoentes máximos da nossa arquitectura, a autarquia recusa qualquer dialogo, mantendo inabalável a sua decisão, não dando margem a uma reapreciação de um projecto decidido há mais de dez anos sem qualquer estudo de impacto ambiental nem de uma verdadeira discussão pública.

Perante tal atitude, compreendemos hoje melhor os críticos da descentralização/regionalização quando alertam para as fragilidades do poder local na tomada de decisões em questões de maior responsabilidade que exijam mais elevada cultura política.

O exercício da cidadania não se esgota no voto de quatro em quatro anos. A prática da democracia exerce-se diariamente através de propostas construtivas, críticas fundamentadas ou até do direito de resistência constitucionalmente consagrado.

A intransigência política, quando não devidamente fundamentada, é sintoma de abuso de poder. E posto que os erros venham a ser pagos nas urnas, as suas consequências, quando irreparáveis, como é o caso, acabam por ser suportadas pelos inocentes vindouros. Esperamos, contudo, que o bom senso e a humildade política venham ainda a prevalecer em Tavira.

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