Autora de Nação Prozac morre aos 52 anos

A ficcionista e jornalista americana Elizabeth Wurtzel, celebrizada por um livro de memórias que publicou aos 27 anos, Nação Prozac (1994), morreu esta terça-feira em Manhattan, Nova Iorque, de cancro da mama. Tinha 52 anos.

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Catherine McGann/Getty Images

Elizabeth Wurtzel (1967-2020), autora de Nação Prozac (1994), livro de memórias que gerou um debate público em torno da depressão clínica, e que levou o crítico Ken Tucker a chamar-lhe “Sylvia Plath com o ego de Madonna”, morreu esta terça-feira em Manhattan, aos 52 anos, em consequência de um cancro de mama.

Wurtzel foi criada em Nova Iorque como filha única de um casal que se separou quando tinha dois anos. Ou foi isto o que pensou até 2016, quando descobriu que o seu pai biológico não era afinal Donald Wurtzel, que a ia buscar todos os sábados a casa da mãe quando era pequena, mas Bob Adelman, fotógrafo do movimento dos direitos civis e autor de uma divulgadíssima imagem de Martin Luther King captada em 1963, quando este endereçava à multidão o célebre discurso “I have a dream”.

Sofrendo de depressão desde os dez anos, começou a ser tratada aos 11, depois de se ter automutilado na escola, e até atingir a idade adulta andou sempre em consultas com psiquiatras. Em Harvard, onde viria a formar-se em Literatura Comparada, automedicava-se com Ecstasy e cocaína, que depois substituiu por Prozac e lítio. Factos conhecidos de todos os leitores de Nação Prozac (edição portuguesa da Presença), onde Elizabeth Wurzel narra em detalhe a sua batalha contra a depressão. Adaptado ao cinema em 2001 por Erik Skjoldbjærg, com Christina Ricci no papel da narradora e protagonista (um filme nunca exibido comercialmente nos Estados Unidos), o livro “tem a inocência crua dos ensaios de Joan Didion, o irritante exibicionismo emocional d’A Campânula de Vidro de Sylvia Plath e o humor cru e escuro de uma canção de Bob Dylan”, escreveu Michiko Kakutani no jornal New York Times.   

De facto, falta de humor é coisa que dificilmente alguém poderá censurar a Elizabeth Wurtzel. Quando fez uma dupla mastectomia seguida de reconstrução, escreveu: “É espantoso. Fazem as duas coisas ao mesmo tempo. Entra-se com um cancro de mama e sai-se com mamas de stripper”.

Ainda enquanto estudante em Harvard, foi trabalhando em jornais, designadamente no The Dallas Morning News, que a despediria em 1988 por alegado plágio. Mas pouco depois arranjava emprego como crítica de música na prestigiada revista New Yorker e instalava-se no icónico bairro nova-iorquino de Greenwich Village. E em 1994 torna-se uma celebridade com Nação Prozac. “Fui uma hashtag antes de existir o Twitter”, comentará mais tarde a autora.

Procurará dar sequência ao seu precoce best-seller em 2001 com Só Mais Uma Vez (More, Now, Again: A Memoir of Addiction). Além deste livro, igualmente editado pela Presença, existe ainda uma edição portuguesa de The Secret of Life: Commonsense Advice for Uncommon Women (2004), publicada pela Magnólia com o título Nós Mandamos!.

Após a sua licenciatura em Harvard, Elizabeth Wurtzel formou-se ainda em Direito na Universidade de Yale. E se não faltou quem lhe fizesse ver, após a publicação de Nação Prozac, que havia muito quem tivesse mais razões para estar deprimida do que uma privilegiada frequentadora de Harvard, a verdade é que não teve propriamente uma infância e adolescência fáceis.

"Nunca percebi porque era tão selvagem"

O primeiro texto que a futura autora de Nação Prozac publicou, aos 16 anos, foi sobre Donald Wurtzel, que desaparecera totalmente da sua vida pouco antes e que só veio a reencontrar uma vez por outra, já adulta. Quando Donald Wurtzel morreu, em 2014, não o via desde 2001, contará Elizabeth em Dezembro de 2018 num extenso artigo publicado no blogue The Cut, do jornal New York Times. Dois anos depois, em 2016, ficará a saber que um homem que se habituara a conhecer como amigo da família, Bob Aldeman, tivera uma relação extraconjugal com a sua mãe quando esta trabalhava na editora Random House, nos anos 60, e era afinal seu pai. Foi a namorada de Aldeman que lhe contou a história no próprio dia em que o fotógrafo morreu. Elizabeth não acreditou, e foi ainda convencida de que era filha de Donald Wurtzel que escreveu o obituário de Aldeman para o New York Times.

Mas pouco depois veio a comprovar que não apenas era filha de Aldeman, como fora dele que herdara a mutação no gene BRCA que a predispunha para vir a ter cancro de mama. 

“Nunca percebi por que era tão selvagem”, escreve Elizabeth Wurtzel no seu artigo de 2018 para o The Cut. “Achava que havia algo errado em mim. Depois percebi que havia algo certo em mim. Agora sei que nasci assim. Afinal não me inventei a mim própria”.

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