Correr uma maratona para ficar quatro anos mais novo

Estudo publicado esta segunda-feira na revista Journal of the American College of Cardiology avaliou os benefícios para a saúde cardiovascular em pessoas que correram, pela primeira vez, uma maratona. A pressão arterial e a rigidez da aorta melhoram após o exercício.

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Os benefícios são atingidos considerando um período de seis meses de treino para a prova Daniel Rocha

Há resoluções de ano novo para todos os gostos e não será surpreendente encontrar alguém que tenha decidido que vai, pela primeira vez, correr uma maratona em 2020. Se o plano for mesmo para a frente (não basta tomar a decisão), isso pode ter um impacto positivo na saúde, diz um estudo publicado esta segunda-feira na revista Journal of the American College of Cardiology. O trabalho conclui que as pessoas que correm pela primeira vez uma maratona conquistam uma redução da pressão arterial e combatem a rigidez das artérias num saldo positivo total que equivale a um recuo de quatro anos na idade vascular.

Antes de mais é importante sublinhar que nem toda a gente pode ou deve correr uma maratona. Não basta a decisão e um par de sapatilhas. Não só é preciso uma preparação intensiva ao longo de alguns meses como também é imprescindível que o “atleta” goze, logo à partida, de boas condições de saúde. Dito isto, é verdade que já teremos assim meio caminho andado para estarmos perante uma pessoa com uma saúde que já pode ser considerada minimamente saudável. 

Por fim, também quase podemos apostar que uma pessoa que se está a preparar para correr a maratona opta por uma alimentação e um estilo de vida saudável, uma vantagem que também deve ser tida em conta para o resultado final desta experiência. Assim, não será muito surpreendente encontrar um benefício na saúde das pessoas que correm pela primeira vez uma maratona ou fazem outro tipo de exercício físico. O mais interessante aqui é a ligação entre a maratona e uma quantificação mais precisa desse benefício. O estudo agora publicado calcula que o “rejuvenescimento” no capítulo da pressão arterial e da espessura das artérias corresponde a quatro anos de idade vascular. E, aparentemente os que mais beneficiam com este desafio são os corredores mais velhos, mais lentos, do sexo masculino, e com pressão arterial basal (a chamada “mínima”) mais alta.

“Como os médicos se encontram com os doentes no ano novo, fazer uma recomendação de treino com exercícios com um objectivo – como inscrever-se numa maratona ou corrida – pode ser uma boa motivação para que se mantenham activos”, argumenta a autora Charlotte H. Manisty, do Instituto de Ciência Cardiovascular da University College e do Barts Heart Center, ambos em Londres, num comunicado de imprensa sobre o estudo. O trabalho, nota ainda a especialista, reforça a importância de alterações no estilo de vida para diminuir os riscos associados ao envelhecimento, mas também mostra – com os resultados obtidos entre os participantes mais velhos – que nunca é tarde demais para começar.

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Rui Gaudêncio

A investigação envolveu um grupo de 138 participantes (com uma média de 37 anos de idade) saudáveis e estreantes na maratona de Londres de 2016 e 2017. Os investigadores avaliaram os “atletas” antes do treino e passados alguns dias da conclusão da corrida para perceber se o espessamento e a perda de elasticidade da aorta que geralmente surge com a idade seria reversível com o treino físico. A rigidez das artérias faz parte do envelhecimento e está associada a várias doenças cardiovasculares, como a aterosclerose ou o AVC.

Os exames e as medições foram realizados antes do início do treino, que começou seis meses antes da maratona, e repetidos após cerca de três semanas do desafio cumprido. Além da medição da pressão arterial, foram realizadas ressonâncias magnéticas para avaliar a rigidez aórtica. “A idade aórtica biológica foi determinada a partir da relação entre a idade do participante e a rigidez aórtica em três níveis da aorta”, adianta o comunicado.

Os planos dos treinos previam a realização de três corridas por semana com um grau de dificuldade que ia aumentando progressivamente, mas os participantes podiam optar por outra forma de preparação. “O treino diminuiu a pressão arterial sistólica e diastólica (máxima e mínima), em quatro e três mmHg (milímetro de mercúrio), respectivamente. No geral, a rigidez aórtica diminuiu com o treino e foi mais pronunciada na aorta distal [abdominal] com aumentos na distensibilidade – a capacidade de inchar com a pressão – de 9%”, revela o estudo concluindo que isso equivale a uma redução de quase quatro anos na idade da aorta.

“O nosso estudo mostra que é possível reverter as consequências do envelhecimento nos vasos sanguíneos com exercícios durante apenas seis meses”, sublinha Charlotte Manisty.

Num editorial que acompanha o artigo, Julio A. Chirinos, especialista da Divisão de Medicina Cardiovascular do Hospital da Universidade da Pensilvânia, nos EUA, refere que “apesar de algumas limitações, incluindo a sua natureza observacional, o estudo contribui para o conjunto de provas científicas sobre os benefícios do exercício em várias áreas associadas ao envelhecimento”.

Por outro lado, Julio Chirinos destaca a importância deste trabalho especificamente dirigido para as implicações da rigidez arterial na saúde humana, mas avisa que é preciso fazer mais estudos para identificar os mecanismos moleculares que explicam esta relação com o exercício. Por fim, faz a ressalva que já se fez no início deste texto: “O treino para maratonas geralmente envolve vários factores concomitantes como abordagens com melhores padrões de sono e dieta e, em alguns casos, suplementos vendidos sem receita, que podem confundir ou interagir com o treino físico propriamente dito. São necessárias mais investigações para identificar os regimes ideais de treino integrado.”

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