John Henry Newman e o carácter da autêntica Universidade

Uma Universidade que deseje ser um universum, não pode descurar o ensino do fenómeno religioso, conquanto este seja inteligível e não mítico ou alógico

Num período epocal em que, tendo em conta o que os portugueses estimam ser o seu desígnio comum, se vai refletindo sobre o que há-de ser a Universitas, não é despiciente ter em consideração o que sobre ela referiu o cardeal, recentemente reconhecido como Santo pela Igreja Católica, John Henry Newman (1801-1890). Deveras, este poderá ser um ótimo exercício para evitarmos cair no erro de, querendo casar com os dias de hoje, nos tornarmos, amanhã, apenas viúvos dos mesmos.

Convicto de que Deus compraz-se com a verdade e que, assim, o conhecimento e a educação são aliados de toda a religião sensata, Newman sustenta que todos os ramos do saber, inclusive o religioso genuinamente racional, estão interligados, porquanto estão conectados com a Origem de toda a realidade. Aquela Origem que, inclusive porque a Verdade não pode ser contrária à verdade, ama tudo aquilo que é, e reconhece ser verdadeiro. Desta forma, uma Universidade que deseje ser um universum, não pode descurar o ensino do fenómeno religioso, conquanto este seja inteligível e não mítico ou alógico. Ensino liberal e científico, sim, mas sem se ignorar que a consideração do verdadeiro transcendente não é algo oposto a tal desígnio. Pelo contrário. O próprio desdenhar do mesmo levará sempre a filosofias falsas, da mesma forma que o desprezo, por parte da religião, dos genuínos dados das demais ciências dará azo a crenças ilegítimas e arbitrárias.

Mais do que instruir os discentes para os exames, mediante o passar de palavras dos apontamentos do professor aos do aluno (por vezes sem assentarem nas mentes de nenhum deles), toda a Universidade, que o queira verdadeiramente ser, acabará por reconhecer que o seu encargo fundamental será o de educar os alunos para, assimilando a verdade, largarem os seus preconceitos e alargarem as suas perspectivas. Só assim, e por mais que isso possa parecer impróprio face à ideia comum acerca desses estabelecimentos de ensino, tais pessoas poderão transformar a realidade em consonância com o bem maior e melhor. Quer dizer: a Universitas há-de estar sempre menos preocupada em encher as mentes dos alunos, do que em lograr um refinamento, fortalecimento e enriquecimento do carácter e da humanidade dos mesmos, de forma a capacitá-los para a realização do bem mediante o amarem alguém de modo efetivo. E isto, tendo-se particular solicitude por aqueles que mais manifestam aversão ao bem verdadeiro, pois essa aversão será sempre um sinal de que eles sentem uma ainda maior aversão por si mesmos.

Para que, juntamente com a recusa de toda a dissociação e segmentação do saber, o supramencionado seja exequível, Newman considera que qualquer Universidade carece de estar alicerçada num ethos bem definido. Um que paute todos os modos de se buscar e aferir, inequivocamente e sem compromissos, o que é verdadeiro, devendo-se admitir, neste preciso contexto, que não deixará de haver lapsos científicos enquanto se promoverem lapsos morais. E isto, por mais que se deva reconhecer que os equívocos serão inevitáveis, não obstante precisem de ser maximamente prevenidos, de modo a não se iludir os menos preparados e assim mais facilmente influenciáveis. O certo estará sempre certo, mesmo que ninguém esteja certo, do mesmo modo que o errado estará sempre errado, por mais que todos estejam errados, donde tolerância no amor com as pessoas, sim, mas nunca com os princípios estruturantes e os erros reconhecidos como tal. De qualquer modo, se tal ethos identitário não for consciente e, à vista disso, potencialmente auxiliador, será sempre irrefletido e, por conseguinte, inevitavelmente prejudicador da demanda de uma visão abarcante e orgânica da verdade que está presente em todas as ciências genuínas.

O supramencionado não significa que se deva estudar todas as áreas do saber. Traduz apenas a ousadia de se querer desenvolver a capacidade de se considerar a realidade desde o maior número possível de pontos de vista, reportando-os a um sistema comum de interdependências e apreciando os seus diversos valores. Ou seja: cada ramo do saber terá a incumbência de examinar-se a partir dos dados dos demais e, simultaneamente, suscitar interrogações matriciais acerca de si mesmo que não possam ser aclaradas somente desde o seu limitado âmbito de competências. Eis, aliás, a razão de, para Newman, a própria Teologia universitária, seguida de perto pela Literatura enquanto saber que permite às demais ciências “dizerem-se” corretamente, carecer de ser considerada como a pedra-angular de qualquer curriculum studiorum universitates. A saber: justamente por ela, e só ela e por mais que seja hostilizada pelos julgamentos parciais dos especialistas nas outras áreas do saber, refletir do modo mais abrangente, quer sobre o fundamento da realidade, quer sobre toda esta.

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