Slow democracy

O conceito de slow democracy existe. Pressupõe maior envolvimento dos cidadãos, valorização da tomada de decisões a nível local, política de proximidade.

De há uns tempos a esta parte, a palavra “lento” (em inglês slow) entrou no léxico comum como um sinónimo de qualquer coisa boa. Não só boa: fora de série. Slow food e slow journalism são, por oposição a fast food e fast journalism, dois conceitos com sentido muito positivo. Pressupõe-se que existe tempo para comer, confeccionar e saborear o que se come e tempo para investigar, escrever e apreciar o que se está a ler.

Dei comigo a pensar nisto depois do caso em que a Assembleia da República decidiu não deixar os deputados únicos intervirem no primeiro debate quinzenal. Os debates quinzenais não serão o momento parlamentar mais importante (contribuir no processo de fazer uma lei ou integrar uma comissão de inquérito pode ter mais repercussões na sociedade), mas são um instrumento de escrutínio da actividade do Governo com bastante relevância e peso, desde logo pelo seu mediatismo. 

A conferência de líderes não decidiu só impedir os deputados únicos de participar no debate, também deixou no ar a possibilidade de alterar o regimento para mudar as regras. Com “urgência”, pediu Eduardo Ferro Rodrigues, que esteve ao lado do PSD, CDS e PAN a defender que os parlamentares do Chega, Iniciativa Liberal e Livre deviam ter os mesmos direitos de tempos e de estatuto de observador na conferência de líderes conferidos a André Silva, do PAN, em 2015.

A decisão foi remetida para a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e é nessa sede que será discutida quando for debatido o projecto de lei da Iniciativa Liberal para alterar o regimento. E foi neste ponto da questão que a ideia de slow democracy me passou pela cabeça. O Presidente da Assembleia da República pode até ter pedido “muita urgência”, mas é bem possível que o processo venha a ser lento, porque as comissões têm as suas próprias convenções, obrigatórias para garantir a regularidade do processo democrático. 

Pode a democracia (ou a justiça) ser lenta? Deve sê-lo para evitar precipitações ou arrependimentos? Quanto tempo é aceitável que se leve a decidir se é possível aplicar a três deputados a flexibilidade que já antes foi aplicada a um único? E, ao longo desse tempo que demora a tomada de decisão, o que se ganha em calá-los?

Passaram quatro anos desde que o anterior Parlamento aceitou que André Silva tivesse alguns (não todos) dos direitos, como deputado único, que tinham os grupos parlamentares. Foi tempo suficiente para se debater a questão em comissão parlamentar, alterar (ou não) o regimento existente e “legalizar” (ou não) a excepção aberta para o PAN. Mas a verdade é que ninguém se preocupou com isso.

Quatro anos depois, creio que não ouvi ninguém criticar a Assembleia da República por ter possibilitado a André Silva ter o estatuto de observador na conferência de líderes ou permitir-lhe intervenções em debates quinzenais. Por outras palavras: todos aceitámos a excepção, considerando-a uma boa prática democrática. Aliás, essa foi com certeza uma das razões que permitiram ao PAN crescer ao ponto de ter agora quatro deputados e morder os calcanhares ao CDS. É disso que temos medo?

PS: O conceito de slow democracy existe. Não tem nada a ver com o assunto tratado neste texto nem com o tempo da tomada de decisões. Está, sim, relacionado com o maior envolvimento dos cidadãos, a valorização da tomada de decisões a nível local, a política de proximidade.

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