Portugal continua “aquém” do desempenho científico de outros países europeus

O relatório “A evolução da ciência em Portugal (1987-2016)”, coordenado pelo biólogo Nuno Ferrand de Almeida, é apresentado esta quinta-feira na Universidade de Aveiro.

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MARIA JOÃO GALA

Apesar do “progresso notável” da ciência produzida em Portugal ao longo das últimas três décadas em termos de investimentos e resultados, o país continua “aquém” do desempenho de países com sistemas científicos mais sólidos, conclui um estudo divulgado esta quinta-feira.

Foi com o propósito de descrever a evolução da ciência produzida em Portugal nas últimas três décadas, entre 1987 e 2016, e estabelecer “pontos de referência” entre o presente e o passado para “orientar as direcções a seguir no futuro”, que nove investigadores se juntaram e redigiram o relatório “A evolução da ciência em Portugal (1987-2016)”, coordenado pelo biólogo Nuno Ferrand de Almeida, director do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (Cibio-InBio) da Universidade do Porto. O trabalho é apresentado esta quinta-feira em Aveiro, na conferência “A atitude científica – O que é a ciência e o que não é”, uma iniciativa do Mês da Ciência e da Educação da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Sob a óptica de quatro domínios científicos – ciências exactas e engenharias, sociais e humanas, da natureza e ambiente, e da vida e da saúde –, o estudo, além de comparar a produção científica portuguesa com a de seis países de “referência” (Grécia, Irlanda, Espanha, Itália, Noruega e Holanda), descreve também diferenças entre as regiões do país.

Neste retrato temporal e geográfico, os autores afirmam que, apesar do “progresso notável” na quantidade de investimentos e resultados, Portugal continua ainda próximo dos países com desempenho inferior e “aquém do desempenho científico” dos países com sistemas “mais sólidos”.

Ainda que o crescimento do número de investigadores tenha vindo a ser “assinalável”, com o número a alcançar em 2008 a média da União Europeia (UE), tal não se verificou no total de recursos humanos.

Comparativamente com os países de “referência”, Portugal apresenta um dos “menores rácios” de recursos humanos por mil activos, sendo que entre 2012 e 2016, a média anual deste rácio (9,12) ultrapassava apenas a Grécia e Espanha e estava “distante” do registado em países como a Noruega e a Holanda.

“Os recursos humanos e financeiros de Portugal para a investigação científica são muito dependentes do Estado comparativamente com a média europeia, onde há maior contribuição empresarial”, sustentam os investigadores. Apesar do “nível muito baixo de financiamento” atribuído à ciência portuguesa, com o país a ocupar a 7.ª posição quando comparado com os restantes países europeus, foram alguns os indicadores que “melhoraram”.

O número de doutorados formados, as publicações indexadas na Web of Science e as patentes requeridas ao Gabinete Europeu de Patentes (EPO, na sigla em inglês), levam os autores a afirmar que, nestes aspectos, Portugal “tem sido superior” à Grécia, Itália e Espanha.

Contudo, Portugal apresenta um “pior desempenho” ao nível das publicações científicas, onde o “impacto” destas continua ainda “muito distante” de países como a Irlanda, Noruega e Holanda.

Ao nível do território nacional, os resultados reflectem um “país bipolar” com o investimento em ciência e os seus resultados a concentrarem-se nas regiões “mais populosas”: Norte, Centro e Lisboa. Apesar de o investimento ser “inferior” nas restantes regiões (Algarve, Alentejo, Madeira e Açores), o Algarve foi “melhorando” vários índices, contrariamente às regiões autónomas da Madeira e dos Açores.

“Esta distribuição enviesada foi evidente em todos os indicadores de actividade científica, como recursos humanos, despesa em I&D (investigação e desenvolvimento), projectos da UE e número de doutorandos inscritos”, asseguram os autores.

Quanto à produção científica, o Norte, Centro e Lisboa evoluíram “positivamente”, sendo que a área das ciências exactas e engenharias tem sido a mais predominante nestas regiões. Nas restantes, os resultados apontam a Madeira como líder “nos indicadores de investigação de excelência e nas patentes requeridas por habitante”, além de que, em conjunto com a região do Algarve, encabeça também a “maior percentagem de publicações com colaboração internacional”.

De acordo com o estudo, as regiões do Alentejo, Algarve, Açores e Madeira são, regra geral, mais “especializadas” em ciências naturais e do ambiente, nomeadamente em áreas como a gestão e produção de recursos terrestres e marinhos.

O estudo, que faz também um retrato e compara as instituições do ensino superior e as fundações privadas de produção científica, afirma que a Fundação Champalimaud “liderou claramente” todos os indicadores de impacto científico.

Os resultados obtidos apontam também para uma “maior colaboração” entre as instituições e regiões, apesar de ainda “muito centrada” nas três regiões mais populosas e nas instituições de ensino superior com “maior dimensão” e “longa tradição”.

Por fim, os autores consideram que, tendo em conta os “progressos” e “fragilidades” da ciência reflectidas no estudo, torna-se “fundamental”, entre outros aspectos, aumentar os níveis de recursos humanos, de financiamento em I&D, de participação das empresas e do impacto das publicações científicas.

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