Discussão sobre poderes da hierarquia do Ministério Público adiada

Tema passou para a próxima reunião do Conselho Superior do Ministério Público, que se realizará na próxima terça-feira

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Tema foi adiado para a próxima reunião do Conselho Superior do Ministério Público. Nuno Ferreira Santos

O Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) adiou para a próxima terça-feira a discussão sobre como se concilia a autonomia dos procuradores com os poderes da hierarquia. O tema estava agendado para esta terça-feira, mas a reunião acabou por ficar concentrada na discussão do próximo movimento que vai colocar os procuradores candidatos pelos lugares vagos, que vai ser lançado nas próximas semanas.

A discussão sobre os poderes da hierarquia do Ministério Público foi sugerida no último plenário por um dos membros do conselho, o advogado Arala Chaves, que segundo o boletim informativo do organismo, manifestou “preocupação sobre as notícias que têm vindo a público sobre a interferência da hierarquia na investigação criminal”. Outros dois advogados que integram o órgão, Magalhães e Silva e Castanheira Neves, também apoiaram uma discussão sobre o tema.

A posição seguiu-se à divulgação pública de que o director do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), Albano Pinto, travou a inquirição do primeiro-ministro António Costa e do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, como testemunhas, no caso de Tancos. Num despacho que não ficou no processo, mas foi revelado pela revista Sábado, Albano Pinto invoca a “dignidade e o prestígio do cargo” de Marcelo e de Costa para impedir a sua audição.

Segundo aquela revista, Albano Pinto terá ainda ordenado aos três procuradores titulares do inquérito que ‘limpassem’ dos questionários por escrito que se preparavam para enviar para João Cordeiro, ex-chefe da Casa Militar do Presidente da República, e para Rovisco Duarte, ex-chefe de Estado-Maior do Exército, qualquer referência a Marcelo Rebelo de Sousa. Terão sido assim suprimidas 48 questões, que na sua opinião, não tinham qualquer “utilidade” e que o DCIAP não tinha competência para fazer.

O tema tem gerado tensões dentro do Ministério Público, com a procuradora-geral da República, Lucília Gago, e o sindicato dos procuradores a defenderam posições opostas. Se a primeira sustentou que Albano Pinto, uma escolha sua, interveio no “exercício das funções directivas” que possui, o sindicato sugeriu em comunicado que a ordem dada pelo director do DCIAP era ilegal.

Numa longa nota com seis páginas, intitulado “Restabelecer a legalidade no Ministério Público”, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público insurge-se contra práticas “ilegais” que se instituíram nesta magistratura, por vezes de forma informal, à margem do Código Processo Penal. E pede a Lucília Gago e ao CSMP para proibirem e punirem as “práticas ilegais”.

Sem nunca referir o processo de Tancos, o sindicato sustenta que “o superior hierárquico não pode dar ordens ao magistrado do Ministério Público titular de um inquérito para este acusar ou arquivar um processo contra determinada pessoa”. E acrescenta: “O superior hierárquico não pode igualmente ter interferência nas diligências de produção de prova, isto é, não pode determinar ou impedir a realização de buscas ou intercepções telefónicas, a constituição de arguidos ou inquirição de testemunhas, tal como também não pode determinar o teor de perguntas, sugerir que se façam outras ou se suprimam algumas que entenda não serem adequadas”. As palavras encaixam como uma luva no caso de Tancos.

O PÚBLICO ouviu vários magistrados sobre este tema, tendo a maioria, alguns dos quais com largos anos em posições de direcção, defendido que a possibilidade de interferência dos superiores hierárquicos em investigações criminais concretas é limitada. A maioria defende que os poderes de Albano Pinto em Tancos se circunscreviam à possibilidade de chamar a si a direcção da investigação ou de entregar o caso a outros magistrados. 

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