O sonho vulgar de um futuro (in)vulgar

Todos sabemos que o sonho de querer ser feliz não é de modo algum exclusivo dos millennials, nasceu muito antes. Talvez até antes de haver gerações.

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Artsy Solomon/Nappy

Pensamos no futuro amanhã é o título da música de Ana Bacalhau, com letra de João Só, que integra a distinta banda sonora da série de ficção 1986, da autoria de Nuno Markl. Podia, no entanto, integrar a banda sonora das nossas vidas. Nós, os (supostos) millennials.

As contradições internas da teoria inaugurada por Howe e Strauss em meados dos anos 1990 e consagrada com o livro Millennials Rising em 2000, assim como a instabilidade dos dados analisados, fragilizam a assertividade e a adequação do seu resultado à realidade concreta do quotidiano.

No entanto, podemos consentir que a geração Y partilha e partilhou mais do que o seu ano de nascença. A crescente globalização, as politicas de multiculturalidade, o desenvolvimento tecnológico, a sociedade em rede, a luta pela concretização dos direitos humanos, uma formação educativa mais equitativa, entre outras conquistas validadas e lutas a decorrer, estruturam o espaço público do nosso crescimento tanto individual, como colectivo. E como seria de esperar, tudo conta no desenvolvimento individual e colectivo da pessoa.

Vejamos um possível efeito para cada variável supracitada: a globalização tornou os nossos hábitos mais parecidos; as medidas de inclusão desmistificaram a diferença que parece existir entre nós; o avanço tecnológico diminuiu a distância comunicacional; a sociedade em rede aumentou a informação disponível; a luta pelos direitos humanos foi além da mera declaração por escrito; a formação educativa deu-nos um conhecimento em massa que nunca tinha sido alcançado.

Todos estes efeitos circunscrevem uma experiência histórica peculiar e, como sempre aconteceu, tal experiência origina uma renovação de valores e atitudes que abala o status quo institucional, político e económico.

Um dos requisitos, que dizem que nós reivindicamos a qualquer custo, é a conquista de um trabalho significativo, com o objectivo que o mesmo nos realize pessoalmente. A expressão “a qualquer custo” significa, na prática, reacções concretas como: falta de lealdade, ausência de sentido de compromisso, enfim, todo um conjunto de comportamentos de natureza irresponsável, imprevisível e impulsiva.

É devido a este requisito e às suas consequências que se têm realizado os mais diversos estudos sobre a gestão de recursos humanos. Analisar o impacto que o modo como nos lideram tem sob o nosso desempenho profissional tornou-se uma das tarefas fundamentais da primeira metade do século XXI. Sem dúvida que esta urgência de renovação axiológica no mercado de trabalho incomoda muita gente. A verdade é que qualquer momento de transição e renovação faz com que a carruagem ande um pouco mais devagar. Mas sabem, como se costuma dizer em bom português, às vezes é preciso dar um passo para trás, para dar dois para a frente. 

Gosto pouco de falar por um nós, mas acho que só queremos poder dizer “eh pá, isto afinal até tem um sentido”. Seria qualquer coisa como pensar que mesmo que um dia tudo isto vá “estoirar para sempre" (À Minha Maneira dos Xutos & Pontapés), aquele bocadinho foi, digamos, fixe. O que, em bom português, significa apenas querer sentir que isto (tudo) vale a pena.

E, no fundo, nem que seja mesmo lá no fundo, todos sabemos que o sonho de querer ser feliz não é de modo algum exclusivo da nossa geração, nasceu muito antes. Talvez até antes de haver gerações.

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