Vai ser preciso cuidado com as palavras

Hoje, Portugal vale muito pela sua tranquilidade, pela sua paz social ou até pela capacidade de compromisso dos seus agentes políticos com a estabilidade. Defender esses valores é crucial para o futuro.

O novo tempo da política aberto pela eleição da Assembleia da República vai exigir um cuidado redobrado com as palavras. A radicalização de alguns segmentos da sociedade, as guerras culturais e a desconfiança crescente em relação à representação democrática e aos partidos tradicionais podem gerar um jogo perigoso que afogue o compromisso, a tolerância e o respeito pela pluralidade de opiniões que são o tónus de uma sociedade livre.

Designar o deputado André Ventura como fascista é uma dessas formas de banalizar as palavras para relativizar a importância do que significam. Assinar uma petição porque alguém desfraldou a bandeira da Guiné-Bissau na festa de eleição da deputada Joacine Katar Moreira é tornar público um sentimento de ódio desprezível e inaceitável.

Hoje, Portugal vale muito pela sua tranquilidade, pela sua paz social ou até pela capacidade de compromisso dos seus agentes políticos com a estabilidade. Defender esses valores é crucial para o futuro.

O problema com o qual nos confrontamos hoje é precisamente saber como se faz essa defesa. É simples e liminar recusar qualquer manifesto que instigue o ódio racial através dos expedientes bolorentos do nacionalismo ou de falsos pretextos como o da gaguez.

No caso da deputada do Livre, a rejeição dos argumentos do ultramontanismo de direita é um dever inscrito na Constituição e nos valores que a democracia propagou nos últimos 40 anos.

No caso de André Ventura e do seu partido, estamos perante um território novo que exige racionalidade, prudência e, também, respeito pelos portugueses que o elegeram. Mesmo que represente um vírus extremista no Parlamento, mesmo que defenda ideias xenófobas, securitárias e intolerantes, crucificá-lo pessoalmente por ser quem é e dizer o que diz apenas cria mártires para distribuir o que pensa.

Mais importante do que atacar Ventura é dar-lhe a importância que ele tem no Parlamento. Mais eficaz do que lhe atirar com palavras inflamadas ou acusatórias é atacar o que defende com razão, tolerância e factos – ou, como escreveu sábado João Miguel Tavares, “com verve, com sarcasmo e com energia”.

Mais importante do que colar Joacine à bandeira do seu país de origem é perguntar se vai ou não levar para o Parlamento o seu “feminismo radical” ou se acredita mesmo que a sua proposta de 30 horas de trabalho semanal e 30 dias de férias é viável neste mundo cada vez mais competitivo.

O radicalismo na política sempre existiu e se hoje o Chega o torna mais perigoso, não implica que se prescindam das armas da tolerância democrática para o combater.

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