Morreu Philippe Tome, um dos pais de Spirou

Guionista e ilustrador, fez dupla com Janry numa altura-chave da evolução da personagem — a quem deu uma infância na série O Pequeno Spirou. Tinha 62 anos.

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Philippe Tome Chloé Vollmer Lo/DR

Philippe Vandevelde, autor belga de banda-desenhada que trabalhava sob o pseudónimo Philippe Tome, morreu no domingo, aos 62 anos. Foi um dos pais artísticos da célebre personagem Spirou, o jovem jornalista que vive aventuras num mundo recheado de esquilos, inventores e misteriosas criaturas como o Marsupilami. Foi Tome, fazendo dupla com Janry, que deu a Spirou o que lhe faltava: uma infância.

Vandevelde nasceu em Bruxelas em 1957 e cedo se tornou um fã de Tintin. Licenciou-se em Jornalismo e estudou desenho e publicidade, como detalha o Le Monde, e foi depois assistente de Dupa, o autor de outra personagem belga de grande sucesso, o cão Cubitus. Começou a trabalhar na revista Spirou em 1979, sucedendo a Rob-Vel, Luc Lafnet, Jijé, André Franquin ou Jean-Claude Fournier na lista de autores responsáveis pela criação (Rob-Vel) e pela evolução do carismático rapaz de poupa rebelde nascido paquete e tornado repórter. O seu trabalho sobre a personagem “marcou toda uma geração”, lembra o jornal francês Libération.

Tome surgiu então como argumentista associado a Janry (nascido Jean-Richard Geurts), com quem começou a trabalhar no estúdio de Dupa. Era também ilustrador, mas para Spirou as tarefas foram divididas: Tome escrevia, Janry desenhava, ambos eram responsáveis pelo trabalho gráfico sobre a personagem que tanto mudara até chegar às suas mãos. Foi Franquin, talvez o nome mais celebremente associado a Spirou, que lhe deu um universo mais alargado: o conde de Champignac e suas invenções, o vilão Zorglub e a criatura amarela pintalgada que dá pelo nome de Marsupilami entraram em cena pela sua mão.

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Franquin, em Março de 1989, em Grenoble EPA

A chegada de Tome ao mundo de Spirou, actualizando-o para o contexto de então (com direito a referências a O Padrinho, de Francis Ford Coppola), trouxe “audácia e insolência” à personagem, como notou o Le Monde, dando-lhe aquilo de que a BD actual tanto gosta — uma história de origens, que apareceria em 1983, com a série Le Petit Spirou (O Pequeno Spirou, em Portugal).

O trabalho de Tome e Janry foi marcante também pelo desenvolvimento de uma versão mais realista, e com algum negrume, das aventuras Spirou e Fantasio, o amigo jornalista com quem o protagonista faz par há décadas. O final dos anos 1990 marcaria o final desta era e a passagem do testemunho para outra dupla, Morvan e Munuera, que por seu turno entregariam Spirou a Yoann e Vehlmann. É Yoann que, em declarações ao Libération, recorda outro dos contributos da versão Tome e Janry de Spirou: o seu espírito cinematográfico, patente “não só na narração e na mise-en-scène, com os grandes planos, os décors, as perseguições, mas também em certas referências, como a John Carpenter ou Scorsese”.

Tome escreveria 14 álbuns de Spirou, mas veria o Petit Spirou ultrapassar o jornalista adulto em popularidade nas livrarias. Originou mesmo um filme homónimo, que se estreou em Portugal há um ano. O último álbum que Tome assina com Janry em torno de Spirou, Máquina que sonha, foi um flop comercial.

Para além de Spirou, que é propriedade das edições Dupuis, e da sua versão-prequela menino encantado com as raparigas e as aventuras de pátio escolar, Tome colaborou com Marc Hardy, Greg ou Bruno Gazzotti e foi também autor da BD policial Soda; trabalhou com Zep em Titeuf, personagem de oito anos que migraria das populares tiras para a televisão numa série animada franco-italiana (2001). As causas da morte de Philippe Vandevelde não foram avançadas.

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