As eleições num país em transição

O PS terá de mostrar se é um partido capaz de produzir compromissos. E de desenhar uma ideia capaz de projectar o país no árduo futuro que o espera.

Nem revolução, nem uma pura e dura continuidade: a vontade dos portugueses na eleição deste domingo encaixa-se melhor no conceito da pequena reforma. O PS ganha sem maioria absoluta, o PSD resiste, o Bloco mantém-se sem capitalizar votos com o apoio ao Governo, há duras penalizações para o CDS e para a CDU e o parlamento abre portas a novos partidos. No deve e haver, várias notícias esperançosas: a representação nacional não configura um cenário de ingovernabilidade; a diversidade racial do país fica um pouco melhor assumida; há mais jovens e mais mulheres. Mas, se o sistema político-partidário resiste, deu um passo no sentido da fragmentação; o Chega pode criar um cavalo de Tróia para instilar o vírus da extrema-direita na democracia portuguesa; e a abstenção cresce como espelho do alheamento cívico.

O PS ganhou. Ponto. António Costa teve até o segundo melhor resultado dos socialistas neste século – a seguir à maioria de 2005. Se a “geringonça” produziu dividendos, caíram todos no pecúlio do PS. Pode-se suspeitar que o desempenho de Rui Rio lhe barrou a maioria absoluta, mas o resultado é inequívoco. O PS não depende de dois partidos para governar. O PS tem o jocker do seu próprio jogo e, em tese, pode usá-lo à esquerda para aprovar alguns diplomas e à direita para fazer passar outros.

Rui Rio sobreviveu. Salvou-se como político porque salvou o PSD da hecatombe. Será deputado, o que não o anima. Fica na liderança de um bloco que hoje vale apenas um terço do parlamento. Pode ser que resista e assuma os seus novos desafios como uma missão. Dificilmente será feliz. E eficaz. Até porque a severa derrota do CDS o transforma num pássaro exótico no novo ecossistema parlamentar. A Direita está gravemente ferida e só não está moribunda porque Rio resistiu e a Iniciativa Liberal fez prova de vida.

Se faz sentido falar numa “derrota histórica da Direita”, é abusivo reclamar uma vitória absoluta da Esquerda. O Livre nasceu por mérito e vontade de Joacine Katar Moreira. Mas o Bloco estagnou. E o PCP definhou. O caderno de encargos que ambos ontem apresentaram ao PS carece de conteúdo real. Não se concebe que o PS queira discutir um programa de Governo com o Bloco que assuma, por exemplo, a renacionalização dos CTT. Ou que possa ceder aos “compromissos formais” exigidos pelo PCP. Isolados, um e outro deixaram de ter a chave das maiorias. O PS poderá oscilar entre um e outro, ou jogar com um contra o outro. Tudo é possível – até a “geringonça 2.0”. 

As Legislativas de 2019 traduzem o processo de transição do país que, após uma crise grave, foi capaz de levantar a cabeça. Não foi coisa pouca. O ciclo dos últimos quatro anos é irrepetível, como bem lembrou o Presidente. Acabou o tempo das devoluções. No futuro próximo vai ser necessário criar riqueza para se poder pensar em redistribuí-la. Também por isso, estas eleições mostram-nos um país devotado ao centro. Sem a “geringonça” nos moldes do passado recente, mas com a flexibilidade de um sistema partidário que deu prova de resistência, o PS terá de mostrar se é um partido capaz de produzir compromissos. E de desenhar uma ideia capaz de projectar o país no árduo futuro que o espera.

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