Há um manifesto que apela ao voto na “geringonça”

Pela esquerda e contra uma maioria absoluta do PS, este manifesto junta, entre outros, Sérgio Godinho, Pilar del Rio, Boaventura Sousa Santos, Daniel Oliveira, Filomena Cautela e Valter Hugo Mãe.

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O manifesto apela à repetição dos acordos que levaram António Costa a primeiro-ministro Nuno Ferreira Santos

Nunca voltem aos lugares onde foram felizes. Ou então voltem, quatro anos depois. Mais do que um desafio, é este o apelo do manifesto que este sábado começou a circular. O pedido é claro: a reedição da “geringonça” que uniu o PS, Bloco de Esquerda, Partido Comunista Português e Os Verdes numa maioria de esquerda durante a última legislatura.

O artigo celebra a solução à esquerda como “o fim de um tabu” e considera que o feito só foi possível graças a “um Governo de direita de uma inaudita agressividade social”.

“Pela primeira vez a esquerda deixou de se enredar em guerras pueris, que tantas vezes entregaram o poder à direita, e centrou-se no essencial — o bem comum”, lê-se no manifesto assinado por nomes como Sérgio Godinho, Pilar del Rio, Boaventura Sousa Santos, Daniel Oliveira, Filomena Cautela e Valter Hugo Mãe.

Sublinhando que o que “começou como um que os detractores apadrinharam ‘geringonça’” nasceu na realidade “da vontade dos eleitores”, os autores do manifesto defendem que o acordo mais não foi do que uma exigência dos portugueses. “António Costa, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa tiveram o mérito de saber ouvir os que neles votaram”, continua o documento.

No entanto, o grupo ressalva que para isso foi preciso que os votos fossem distribuídos consoante uma determinada “correlação de forças”.

“A ‘geringonça’ nunca teria existido com uma maioria absoluta ou se dependesse de outras forças políticas”, sublinham, antes de enumerar as mudanças aplicadas na última legislatura.

Nestes quatro anos, assistimos a um aumento extraordinário das reformas, ao aumento do abono de família, à eliminação dos cortes no subsídio de desemprego, à instituição da gratuitidade de manuais escolares para o 1º e 2º ciclos, à reposição de rendimentos e direitos, ao aumento do salário mínimo nacional em 19%, ao aumento da progressividade do IRS ao mesmo tempo que se aumentavam impostos sobre o lucro e o património imobiliário de grande valor, à reversão das privatizações do Metropolitano de Lisboa, Carris e STCP, à redução da propinas no ensino superior e a uma drástica redução do preço dos passes sociais”, resume. 

E deixa claro quem foram os responsáveis por estas conquistas: PS, BE, PCP e PEV.

Além do apelo à esquerda, o artigo lança ataques à direita de 2015. “Não nos esquecemos do que Pedro Passos Coelho nos disse: que vivíamos acima das nossas possibilidades”, afirmam. “O salário mínimo era (e ainda é) uma boa ilustração do que consideravam ser “as nossas possibilidades””, atiram.

Os signatários do manifesto escrevem ainda que são “poucos” os governantes que se podem vangloriar de uma “lista tão vasta de medidas positivas”. “Uma lista que teve efeitos muito concretos na vida das pessoas”, acrescenta.

Para estas figuras, a “geringonça” mudou “o ponto em que hoje se faz o debate político”. “Já não debatemos se o ensino superior faz parte dos deveres do Estado ou se deve ser pago por quem se forma. Ou se os utentes do SNS têm o dever de o pagar quando dele precisam, ignorando que é nos impostos que a redistribuição da riqueza se faz, não transformando o Estado social num Estado assistencialista. Ou se os transportes públicos devem ser financiados pelo Estado para substituírem o uso do carro individual. Ou se manter salários miseráveis é uma forma eficaz de criar emprego. Depois destes quatro anos, será mais difícil privatizar ou aumentar as propinas, as taxas moderadoras e o preço dos transportes públicos.”

Graças à geringonça, antecipam, “será mais difícil impor o discurso da austeridade”.

Mas também fazem críticas, ainda que sejam apenas para defender a necessidade de continuar o projecto político à esquerda. “Claro que este não foi o Governo que muitos de nós desejávamos. Sobreviveu a velha promiscuidade entre interesses privados e interesse público, adiaram-se investimentos urgentes e, contra a precariedade laboral, a crise na habitação e muitos outros problemas do país, ficaram reformas por fazer”, reconhecem.

Ainda assim, o grupo destaca que se tenha travado “o discurso da desesperança”. “Bem sabemos que este Governo teria sido outro, com outras prioridades e outras escolhas, se não dependesse de compromissos à esquerda.” Para os autores do manifesto, a solução mais simples seria votar “na actual solução governativa e não em qualquer partido específico”.

E deixam um aviso a António Costa. “O Partido Socialista, mesmo próximo da maioria, não pode nem deve desbaratar o capital político construído por si e pelos seus parceiros nesta legislatura.”

Por isso, o manifesto apela à repetição dos resultados das urnas em 2015: “garantir que o PS fica dependente de quem se compromete com as causas sociais, ambientais, políticas e económicas, não dando maiorias absolutas nem entregando o futuro do próximo governo a aliados que não tenham um compromisso firme com o Estado social e os direitos dos trabalhadores.”

Assumindo que querem evitar a direita, mas também uma maioria absoluta, os signatários optam por apelar ao voto no acordo de governação dos últimos quatro anos para que a repetição da geringonça seja “inevitável”.

Eis a lista de signatários: Afonso Cruz (escritor), André Letria (ilustrador, editor), André Freire (politólogo, professor universitário), Bárbara Bulhosa (editora), Beatriz Batarda (actriz), Boaventura Sousa Santos (professor universitário, escritor), Daniel Oliveira (jornalista), Daniel Sampaio (psiquiatra, professor universitário), Noiserv (músico), Ernesto Costa (professor universitário), Filipe Duarte (actor), Filomena Cautela (apresentadora), Gonçalo Waddington (actor, realizador, encenador), Irene Lima (música), José Pedro Vasconcelos (apresentador), Lídia Jorge (escritora), Marco D’Almeida (actor), Miguel Gonçalves Mendes (realizador), Paulo Fidalgo (médico), Pedro Abrunhosa (músico), Pilar Del Río (jornalista), Sérgio Godinho (músico), Mísia (cantora), Tatiana Salem Levy (escritora), Tiago Rodrigues (actor, encenador), Valter Hugo Mãe (escritor), Vasco Lourenço (militar).

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