Líder da supervisão do BCE vê bancos a “conspirarem” nos testes de stress

Andrea Enria garante que o BCE não vai tolerar práticas concertadas dos bancos antes dos testes de esforço que avaliam a solidez das suas contas.

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O Conselho de Supervisão do BCE tem representantes do supervisor bancário de cada país do euro Reuters/RALPH ORLOWSKI

O presidente do Conselho de Supervisão do Banco Central Europeu (BCE), o italiano Andrea Enria, afirma que há bancos na zona euro que se concertam para que os resultados dos testes de esforço à solidez da banca lhes sejam mais favoráveis.

Enria falava na quinta-feira numa conferência em Frankfurt sobre o futuro dos exercícios de resistência na moeda única quando denunciou: “Vemos bancos a conspirarem para manipular os testes de stress, muitas vezes com a ajuda de assessores externos”.

Enria já foi presidente da Autoridade Bancária Europeia (conhecida por EBA) e é desde Janeiro o rosto do órgão do BCE incumbido de planear e executar as atribuições do novo Mecanismo Único de Supervisão (MUS), o sistema de supervisão bancária dos países da moeda única, onde estão representadas as autoridades nacionais de supervisão, como o Banco de Portugal.

Para a plateia que o ouvia em Frankfurt, o sucessor de Danièle Nouy contou que, antes de as instituições enviarem dados aos supervisores para os testes de resistência, há recolha de informação de forma coordenada entre bancos e cada um “é informado da sua posição” em relação aos concorrentes. “Isso ajuda-os a alinharem-se antes e durante o exercício, para colectivamente ajustarem os resultados e minimizarem o impacto do cenário de stress”, revelou Andrea Enria, deixando uma garantia: “Vemos isso, não gostamos e não o vamos tolerar”.

O responsável italiano propõe uma reformulação das avaliações que se realizam periodicamente. Embora reconheça vantagens e sublinhe terem sido um “instrumento importante” durante a financeira na Europa, Enria considera que é preciso adaptá-los “ao mundo pós-crise”, tornando-os “mais realistas e relevantes sem se tornarem demasiado pesados”.

Andrea Enria compara esse exercício com o que se passa quando um barco está no mar e se depara com o mau tempo. “O objectivo global de um teste de stress é bastante simples: avaliar como é que o navio resistiria a uma tempestade e seguiria em frente. Em relação aos bancos: qual seria o valor do banco se a economia se agravasse substancialmente? Sobreviveria? E seria capaz de fornecer empréstimos para ajudar a economia a recuperar?”, explica.

O responsável alerta que “quanto mais realistas forem os resultados” mais relevantes se tornam. “Mas a noção de relevância pode ser diferente de acordo com o objectivo que o teste de stress pretende alcançar. Para os bancos, um teste de resistência pode ser mais útil para fins de gestão de risco quando a metodologia e o cenário estão adaptados ao modelo de negócio específico e ao perfil de risco de cada banco”. O ideal, entende, seria existir um exercício “feito à medida para cada banco”.

Os supervisores, vinca, “preocupam-se com a capacidade do teste de stress para captar o perfil de risco de cada banco”, mas também precisam dos resultados para definir as reservas de capital das instituições, à luz das orientações do “pilar 2” das regras relativas aos requisitos de fundos próprios dos bancos. E “como esta é uma medida administrativa, a coerência entre os bancos é crucial: cada banco deve estar sujeito a um cenário de stress significativo, que desafie a sua resiliência e forneça um contributo comparável para o processo de análise e avaliação para fins de supervisão”, ou seja, para o sistema avaliar e medir de forma regular os riscos a que cada banco está exposto, verificando os requisitos dos fundos próprios e a forma como responde aos riscos.

É no BCE que estão as competências de supervisão directa dos maiores grupos bancários dos países da moeda única, cabendo aos bancos centrais nacionais (como é o caso do Banco de Portugal) supervisionar de forma directa as instituições mais pequenas, as que são consideradas menos significativas pelo seu peso no mercado bancário.

Ainda assim, o BCE pode “assumir, em casos específicos, a supervisão directa dessas entidades, sempre que necessário para uma aplicação coerente dos padrões de supervisão”, explica o próprio Banco de Portugal no seu site. No perímetro do BCE cabem as instituições de crédito, companhias financeiras, companhias financeiras mistas e as sucursais nos países do euro e nos outros países da União Europeia.

Os testes de resistência, vincou Andrea Enria, devem “permanecer exercícios sérios, desafiadores e credíveis; devem ajudar os supervisores a garantir a segurança e a solidez dos bancos”.

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