Desperdício, mobilidade e reciclagem: o que fazem as universidades para serem mais “verdes”?

Há universidades portuguesas a dar os primeiros passos para mitigar os efeitos das alterações climáticas. Outras já têm planos delineados para um futuro mais verde. Incentivadas pelos alunos, as instituições estão a tentar mostrar que a luta dos jovens está a dar frutos.

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Adriano Miranda

Em Março, vimos milhares de jovens a sair novamente à rua, numa luta por um futuro melhor. Pediam medidas concretas ao Governo: o fim da exploração de combustíveis fósseis em Portugal, a expansão das energias renováveis, mas também que fossem dados passos mais “pequenos” por parte de empresas ou mesmo de instituições de ensino, como a redução do plástico, do desperdício e um maior investimento em programas de mobilidade e poupança de energia. Pelo clima, os estudantes vão voltar a protestar contra a inacção política à boleia da Semana Mundial pelo Clima, que decorre de 20 a 27 de Setembro — no último dia está marcada uma greve geral global.

Nos últimos anos, as instituições de ensino superior do país — responsáveis por formar as grandes mentes do futuro  acordaram para a necessidade de diminuir a pegada que deixam no planeta. A Universidade de Aveiro, por exemplo, chegou a oferecer lanche a quem fosse a pedalar até às aulas e, mais recentemente, o Instituto Superior de Engenharia do Porto anunciou que ia acabar com a venda de garrafas de água de plástico. No entanto, a medida que gerou mais burburinho e discussão nos últimos dias foi anunciada pela Universidade de Coimbra (UC): as 14 cantinas do campus vão deixar de servir carne de vaca e a instituição não esconde a ambição de se tornar, até 2030, na “primeira universidade portuguesa neutra em carbono”.

Mas de que outras formas têm as universidades e faculdades portuguesas arregaçado as mangas para mitigar o problema das alterações climáticas dentro dos seus campus?

Não há fruta (nem beatas) no chão

Na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa têm-se feito pequenas mudanças em várias áreas, pelo menos desde 2017. No campo da mobilidade, a instituição criou nesse ano locais de estacionamento para bicicletas e, desde então, organiza todos os meses oficinas de reparação gratuita de bicicletas, emprestando depois as recuperadas.

Em todas as impressoras da faculdade já só se utiliza papel reciclado, nas festas e churrascos da Associação de Estudantes não existem copos descartáveis de plástico — e os copos e jarros deste material que eram usados em todos os eventos, reuniões e provas académicas passaram a ser de vidro. Além disso, no campus são vendidos copos menstruais, escovas de dentes de bambu e palhinhas reutilizáveis a “preços de estudante”. No bar da faculdade há desconto em bebidas quentes para os alunos que têm copos reutilizáveis vendidos na Associação de Estudantes.

Ao P3, fonte da FCSH afirma que foram instalados sistemas para redução do caudal das torneiras de lavatórios e regulados os autoclismos para que se gaste o mínimo de água possível. Também a recolha de beatas já faz parte da rotina da faculdade. Em termos de alimentação, a faculdade organizou pela primeira vez este ano uma apanha de frutos nas árvores do campus que foram depois distribuídos pelos estudantes. Na cantina, há vários anos que são disponibilizados menus macrobióticos.

Para os próximos tempos, a instituição tem mais acções planeadas no campo da sustentabilidade ambiental. “A substituição de todos os pontos de iluminação da faculdade por lâmpadas LED até ao final do ano vai permitir uma redução de 2% no consumo específico de energia eléctrica per capita”, refere fonte da instituição por escrito ao P3, acrescentando que “um dos objectivos para 2019 é o aumento em 20% da reciclagem de papel, plástico, vidro, pilhas e materiais electrónicos no campus”. Em processo de implementação está ainda a instalação de um compostor em parceria com a Câmara Municipal de Lisboa.

Reciclar também no laboratório

No pólo do Porto da Universidade Católica Portuguesa (UCP) combate-se o desperdício alimentar através de parcerias com entidades que distribuem os bens alimentares sobrantes. Em termos de mobilidade, Célia Manaia, vice-presidente do Centro Regional do Porto da UCP, explica ao P3 que a mobilidade dos estudantes é uma das preocupações da instituição, que está a “contemplar medidas como o incentivo ao uso de boleias partilhadas ou deslocação em bicicleta”.

“A reciclagem é uma temática central na investigação em Economia Circular realizada no Centro de Biotecnologia e Química Fina da Escola Superior de Biotecnologia, em que a valorização de resíduos agrícolas, industriais ou outros é um objectivo nuclear — tem um claro alinhamento com as preocupações de sustentabilidade ambiental e com a forma como esta pode servir os diferentes sectores da sociedade”, refere.

A Católica no Porto tem vindo a reduzir a utilização de garrafas e outros materiais de plástico em eventos públicos, como conferências ou actos académicos, e a reforçar a sensibilização para a utilização de ecopontos, com uma reorganização dos pontos de recolha de resíduos em todo o campus

Entre as medidas já implementadas, Célia Manaia destaca a certificação energética de edifícios e a monitorização do consumo de água e de energias. “Há o objectivo para no curto prazo avaliar a implementação de um sistema de gestão ambiental e de redução de resíduos produzidos em laboratórios”, explica.

Pedalar por um futuro mais verde

Também a Universidade do Porto (UP) tem estado empenhada em ser mais verde. Além de medidas em comum com outras academias (como a redução da utilização do plástico, a valorização de resíduos domésticos e industriais e a aposta na formação dos funcionários), a instituição vai criar mais espaços verdes.

“A UP vai criar quase 60 mil metros quadrados de zona verde, incluindo centenas de árvores, duas ribeiras e vários espaços especialmente concebidos para passear, estudar ou descansar após um dia de trabalho”, explica fonte da universidade ao P3.

O futuro Parque Central da Asprela deverá nascer até 2020 nos terrenos da UP situados entre o UPTEC – Parque de Ciência e Tecnologia e a Faculdade de Desporto. “O projecto para o novo 'pulmão verde’ da cidade e da Universidade apresenta-se com a ambição de ser um ponto de ligação de todo o campus universitário da Asprela, ‘casa’ de sete das 14 faculdades da UP” , acrescenta a mesma fonte.

Em termos de mobilidade, a academia do Porto iniciou a distribuição de bicicletas pela comunidade académica. Na sua primeira fase o projecto U-Bike disponibilizou 250 bicicletas eléctricas e convencionais à comunidade académica (estudantes, professores, funcionários, investigadores). “A ideia é que os estudantes, docentes e funcionários substituam o veículo motorizado por uma bicicleta, no percurso que fazem diariamente até às instalações da UP. O projecto visa, desta forma, reduzir a pegada ecológica, ao mesmo tempo que promove a adopção de um estilo de vida saudável.”

“Mais olhos que barriga”

Na Universidade do Minho (UM), há um movimento, o “Mais olhos do que barriga”, que incentiva ao consumo alimentar sem desperdício nas cantinas e ao reencaminhamento de borras de café e resíduos alimentares dos bares e cantinas para quintas da região.

A UM diz ter sido a primeira universidade portuguesa a querer cumprir os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável e a divulgar os indicadores de sustentabilidade. É a única instituição portuguesa de ensino superior presente no top 100 na primeira edição do The Impact Rankings, lançada este ano pela publicação Times Higher Education, o que, afiança fonte da instituição, a carimba como a universidade “mais sustentável” do país, “a terceira da Península Ibérica e a 83.ª do mundo”.

A academia reaproveitou 79% dos resíduos produzidos e, desde 2010, reduziu cerca de 80% a utilização de papel e tinteiros e gastou menos 12% da energia. Um quarto das 6782 disciplinas disponibilizadas aos 19 mil alunos tem conteúdos sobre sustentabilidade e tem havido uma aposta crescente na “sensibilização para comportamentos inspiradores” como a poupança de recursos e a nova “adequação de materiais”.

Em Coimbra, adoptam-se árvores 

Já conhecíamos a medida de eliminar a carne de vaca das cantinas, mas a Universidade de Coimbra anunciou outros planos para atingir a neutralidade carbónica em 2030. “A UC já provou que não quer ficar de fora numa responsabilidade que também é sua enquanto escola do saber”, referiu o reitor, Amílcar Falcão, esta semana, durante a cerimónia de recepção dos novos estudantes.

Das medidas de sustentabilidade já implementadas constam a eliminação do plástico (trocando os produtos em plástico do kit de recepção aos estudantes por objectos metálicos ou mesmo retirando as embalagens e utensílios descartáveis de plástico das cantinas), a gestão dos resíduos nas residências universitárias (existem ecopontos para separação de resíduos nas cozinhas e contentores no exterior) e uma maior aposta na eficiência energética (foram instalados, por exemplo, detectores de movimento para a iluminação das zonas comuns e painéis solares).

“Os novos estudantes são também convidados a adoptar e a cuidar de uma planta durante o ano lectivo, no Jardim Botânico, para depois serem transferidas para um espaço verde da região, reflorestando zonas devastadas por incêndios ou por tempestades – como foi o caso da Leslie”, explica fonte da UC por escrito ao P3. Também nas cantinas universitárias combate-se o desperdício alimentar através de um “planeamento pormenorizado” das quantidades e comida a disponibilizar a cada pessoa.

Para 2020, fica prometido o “desenho de formações e cursos vocacionados para a temática das alterações climáticas e economia verde”, a “expansão dos painéis solares pelos diversos pólos universitários, a redução do excesso de trânsito na zona histórica”, a criação de mais espaços verdes nas imediações universitárias e a “revisão das ementas das cantinas universitárias”.

Produtores locais e conscientes

Este ano, a Universidade de Aveiro (UA) recebeu o maior número de alunos de sempre. Nos primeiros dias de aulas, os estudantes foram recebidos com um piquenique que incluiu copos reutilizáveis para serem usados noutras ocasiões. Nos relvados do campus foram estendidas toalhas de pano para o efeito.”Ensina-se muito pelo exemplo e menos pela palavra”, diz Paulo Jorge Ferreira, reitor da UA, em conversa com o P3. 

Na alimentação, a instituição tem tentado seleccionar produtores que ofereçam o máximo de garantias de que são “amigos do ambiente” — se forem produtores locais ainda melhor. “Se nós conseguimos comprar aqui algo teremos uma pegada ecológica menor do que com produtos que vêm do estrangeiro, de muito longe, como laranjas do Chile. Se tivermos o cuidado de comprar mais perto, para além de promovermos o que é nacional, estamos também a reduzir a emissão de CO2 nos transportes destes produtos”, refere Paulo Jorge.

À semelhança da Universidade de Coimbra, também em Aveiro são oferecidas aos alunos árvores da região (sobreiro, azevinho ou azinheira), que são mais tarde plantadas em zonas afectadas pelos incêndios. Na mobilidade, a UA promove o uso das bicicletas e trotinetes, “numa cidade que é plana e permite a melhor utilização destes meios alternativos”, explica o reitor da instituição.

No Algarve, reduz-se o plástico

Nos últimos anos, a Universidade do Algarve (UAlg) tem combatido o desperdício alimentar (criou um sistema de self service de saladas para estudantes e funcionários) e o plástico descartável. Para tal, a UAlg tem reduzido o uso de garrafas de água de plástico, incentivando os alunos a usar a água das torneiras e a transportar a sua própria garrafa de vidro.

Com o programa “UAlg + Saudável, com – plástico”, a instituição quer contribuir “para que no futuro o oceano fique ‘livre de plástico'” e, sobretudo, para “um ambiente mais sustentável para as futuras gerações”, explica fonte da universidade ao P3. Foram retiradas as palhinhas e palhetas de plástico dos bares e houve uma redução dos produtos embalados.

"Uma Eco Universidade para o Futuro"

A Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) diz-se “consciente da necessidade de incorporar a ética ambiental na sua actividade”. Para tal, os planos da academia incluem um conjunto de medidas como o planeamento e ordenamento do campus, a construção sustentável e a eficiência energética, a conservação dos recursos naturais e de gestão de resíduos, a mobilidade e acessibilidades. “Um dos roteiros inclui o combate ao desperdício alimentar, no qual foram tomadas algumas medidas como a venda de refeições na modalidade de “tudo incluído” ou em alternativa ‘fraccionada'”, explica, por escrito, António Fontainhas Fernandes, reitor da UTAD.

“O plano de ordenamento inclui a construção de uma ecovia que ligará o centro histórico da universidade ao centro da cidade e a áreas de residência, promovendo modos de circulação “amigos do ambiente” e a restrição da circulação automóvel no centro do campus”, explica a mesma fonte. Além disto, está planeada a construção de uma ciclovia em articulação com o plano de mobilidade da cidade de Vila Real financiado pelo Programa Norte 2020.

Os serviços de acção social estão também a delinear um plano “mais ambicioso” no fornecimento de água nas cantinas e bares, evitando o recurso às máquinas de venda automática. O plano estratégico da UTAD 2017-2021, intitulado “Uma Eco Universidade para o Futuro”, está também articulado com os 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável definidos na “Agenda 2030” da ONU.

Adeus diesel, olá veículos eléctricos

Na Universidade de Évora (UÉ), acredita-se que “pequenas mudanças no estilo de vida de cada um dos estudantes, professores, investigadores e funcionários, poderão, cumulativamente, fazer toda a diferença, criando um verdadeiro movimento e estendendo-se à comunidade eborense em geral”, diz fonte da instituição. 

Com vista à promoção da mobilidade suave, também a Universidade de Évora, tal como a do Porto, tem disponíveis para a sua comunidade académica, desde 2018, 500 bicicletas (200 bicicletas eléctricas e 300 convencionais), através do projecto U-Bike. 

Num esforço para diminuir o desperdício, foram descontinuados os equipamentos de venda de senhas de refeição, que passaram a ser adquiridas e apresentadas unicamente por via digital e reforçada a dinamização do Banco de Roupas e Banco de Livros.

“A UÉ pretende proceder à substituição da sua frota de veículos, actualmente a diesel ou gasolina, por veículos não poluentes ou eléctricos. Recorremos já a um sistema de optimização das rotas efectuadas pelas viaturas de serviço, de forma a reduzir o consumo de combustível”, explica a mesma fonte. Para o futuro, fica a promessa de um compostor de resíduos orgânicos.

Boleias partilhadas e horta comunitária

Na Universidade da Beira Interior (UBI) existe uma iniciativa (as Boleias MedUBI) que facilita o contacto entre estudantes com o objectivo de partilharem o automóvel nas deslocações entre a Covilhã e outras zonas do país.

Em termos de reciclagem, a universidade colocou diversos pontos de recolha de papel nas suas instalações para que este material seja depois cedido ao Banco Alimentar Contra a Fome no âmbito da campanha “Papel por Alimentos”. Quanto mais papel a universidade recolher, mais alimentos são cedidos aos mais carenciados.

“É de salientar que, numa cidade com uma história de vários séculos ligada à produção têxtil, nomeadamente aos lanifícios, ao longo dos anos a UBI recuperou, reabilitou e reconverteu muitas das antigas instalações fabris, que hoje são sede de quatro das suas cinco faculdades, num processo de requalificação urbana sem paralelo na cidade”, explica fonte da universidade por escrito ao P3.

A instituição tem também em curso um projecto de produção agrícola em modo biológico – os alimentos são depois usados nas cantinas da UBI – e disponibiliza terrenos para que a comunidade académica possa fazer as suas próprias hortas.

Artigo actualizado às 18h25 do dia 26 de Setembro com iniciativas de outras instituições

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