A estrelinha de António Costa

Os assuntos que Elisa Ferreira vai gerir vão muito para além do que António Costa inicialmente ambicionava e em cuja conquista se envolveu.

Há muitos que consideram que para tudo na vida é preciso ter sorte, até para uma carreira política. A ser verdade, podemos afirmar que a estrelinha de António Costa continua a brilhar. A menos de um mês das legislativas, viu a presidente da futura Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que entrará em funções a 1 de Novembro, anunciar a comissária portuguesa, Elisa Ferreira, como responsável pela pasta da Coesão e Reformas.

Os assuntos que Elisa Ferreira vai gerir vão muito para além do que António Costa inicialmente ambicionava e em cuja conquista se envolveu: a gestão dos fundos estruturais para a coesão entre regiões mais desfavorecidas dos Estados-membros. Na nova Comissão Europeia, Elisa Ferreira gerirá os fundos estruturais para a coesão. Algo que tem sido fundamental nas últimas décadas para o desenvolvimento de regiões dos Estados-membros, nomeadamente para Portugal.

Mas, como Rita Siza explicou no PÚBLICO, Elisa Ferreira tem também o pelouro das Reformas, ou seja, da gestão de fundos estruturais que serão determinantes no desenvolvimento económico das próximas décadas. A comissária portuguesa será, assim, responsável pela gestão do Fundo Justo de Transição, novo instrumento financeiro destinado a ajudar as regiões na transição energética para um modelo de produção que responda à necessidade de descarbonizar a economia europeia e de combater a situação de emergência climática. E também dará apoio financeiro à transição para a sociedade digital.

A tudo isto soma-se, nas tarefas que esperam Elisa Ferreira, a gestão do futuro orçamento da zona euro, o Instrumento Orçamental para a Convergência e Competitividade, que deverá arrancar no próximo quadro financeiro plurianual e poderá ascender aos 17 mil milhões de euros. Refira-se que o primeiro-ministro português foi um dos defensores da criação do orçamento da zona euro, para reformar a união monetária.

Numa caricatura em linguagem de redacção de jornal, Elisa Ferreira vai ser uma espécie de “editora de cheques”. A importância dos pelouros atribuídos a Portugal foi salientada por quase todos, e o líder do PSD, Rui Rio, afirmou mesmo: “A pasta que coube à comissária de Portugal é uma pasta que objectivamente tem relevo.” 

É certo que Elisa Ferreira não foi a primeira escolha de António Costa. O primeiro-ministro acertou com o próprio, com um ano de antecedência, a estratégia de candidatar o ex-ministro das Infra-estruturas e do Planeamento, Pedro Marques, como cabeça de lista às europeias, para depois o indicar como comissário português com o objectivo de garantir a pasta dos fundos estruturais para as regiões. 

Quando a nova presidente da Comissão Europeia anunciou ir formar uma equipa paritária (o que se concretizou, já que há 13 comissárias e 14 comissários), António Costa teve de adaptar o seu plano a esta realidade. Afinal, o líder de um partido que defende e pratica quotas por género há duas décadas e que atingiu já o patamar da paridade (40-60%, segundo a ONU), tendo mesmo actualizado nesses termos a legislação eleitoral portuguesa, não poderia deixar de satisfazer a exigência de Von der Leyen de uma candidatura paritária.

A inteligência política de António Costa e a sua capacidade de se adaptar às novas circunstâncias foram, assim, compensadas pela nova presidente da Comissão Europeia. E o primeiro-ministro conseguiu não só os fundos estruturais que queria, mas recebeu também um bónus dos novos fundos e do orçamento da zona euro.

É também verdade que muito desta vitória se deve exclusivamente a Elisa Ferreira. Ninguém teve dúvidas (acredito que nem António Costa) de que, quando Von der Leyen estudasse os currículos dos candidatos portugueses, não hesitaria na escolha de Elisa Ferreira. Admito mesmo que o perfil final que a pasta da Coesão e Reformas adquiriu possa ter sido influenciado pela qualidade e pela experiência da comissária portuguesa.

A vida profissional e pública de Elisa Ferreira, de 63 anos e sem filiação partidária, é de uma riqueza e qualidade raras. Desde que, nos Governos de Cavaco Silva, integrou a então chamada Comissão de Coordenação da Região Norte, tem cumprido com sucesso e prestígio as funções que ocupa. Foi ministra do Ambiente, no primeiro Governo de António Guterres (1995-1999), e do Planeamento, no segundo (1999-2001). Foi deputada à Assembleia da República (2002-2004) e eurodeputada entre 2004 e 2016, função em que se destacou, nomeadamente na reforma da União Bancária. Saiu do Parlamento Europeu em 2014 para integrar a administração do Banco de Portugal, onde era vice-governadora desde 2016. É um percurso de mérito determinante para o mandato que vai ocupar, o que beneficia António Costa em período eleitoral. Mas a nomeação de Elisa Ferreira, sobretudo, prestigia o país.

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